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“Anora”: Palma de Ouro em Cannes, filme aposta na conturbada relação entre trabalhadora do sexo e milionário russo | 2025

O diretor norte-americano Sean Baker tem em sua filmografia uma trilha de filmes que exploram a crueza e a decadência humana em diversos contextos. Em “Tangerina”(2015), acompanhamos a saga eletrizante e caótica de uma garota de programa e suas amigas/inimigas em busca de seu cafetão e amante na Califórnia (tudo filmado através de um iPhone 5s). Em “Projeto Flórida” (2017), talvez sua obra mais robusta, mergulha no universo de crianças que vivem às margens da estrada que leva ao Parque Walt Disney World em Orlando. Já em “Red Rocket” (2021), Baker extrai uma performance sensacional de Simon Rex como um ex ator pornô que retorna à sua “hometown” ,no Texas, para causar problemas por onde passa. Os três filmes tem em comum a decadência humana de bolsões da sociedade estadunidense em corrosão e que luta para se manter financeiramente seja através de prostituição ou da venda de drogas.

Baker parece ser fascinado pelo mundo das garotas de programa e em “Anora” tem a oportunidade de construir com propriedade o enredo nesse universo utilizando tons cômicos e dramáticos dos altos e baixos da vida de uma stripper e trabalhadora do sexo vivida com vigor pela atriz Mikey Madison. Na história, a personagem prefere ser chamada de Ani e trabalha em um Club de strippers que oferece aos seus clientes shows de pole dancing e cabines para lap dances das garotas. A cena inicial em que a câmera de Baker disseca os vários ambientes deste estabelecimento ao som de “Greatest Day” do Take That é formidável! O diretor faz o uso eficiente da paleta de cores, do emprego do neon em cena e do ritmo de videoclipe para mostrar as garotas em ação até apresentar Ani em todo o seu esplendor.

De jeito desbocado e verborrágico, Ani tem 23 anos de idade e é apresentada, no clube, à Ivan “Vanya” Zakharov (Mark Eydelshteyn), o filho de 21 anos de um oligarca russo que só quer saber de festas, videogame, drogas e sexo. A faísca entre os dois é palpável e Ivan decide contratar os serviços de Ani pagando 15 mil dólares para ela acompanhá-lo por uma semana. Neste trecho do filme, Baker explora com pitadas cômicas a relação entre Ani e Ivan, constituindo a parte mais solar da obra em uma espécie de Conto da Cinderella para adultos. Ani e Ivan criam uma conexão e afinidade que os levam a Las Vegas e ao altar. Ivan casa com Ani para obter o Green Card e fugir de seus deveres para com o trabalho de seu pai na Rússia, apesar dele garantir estar perdidamente apaixonado pela garota. A notícia de que Ivan casou com uma americana e stripper cai como uma bomba em sua família, que pega um jato particular da Rússia para os EUA para conter o trem descarrilado que é Ivan.

O filme adota contornos dramáticos a partir do momento em que os capangas contratados pelo pai de Ivan são acionados para dar um basta nas ações irresponsáveis do garoto junto de sua nova esposa. Aqui há destaque para a atuação do muso de Sean Baker, que sempre é escalado para seus filmes, Karren Karagulian e do ator russo Yura Borisov, que interpreta Igor, uma peça essencial no tabuleiro de descontrole que Anora monta na segunda parte do filme. Ivan foge sozinho e os capangas precisam caçar o garoto junto a Ani por Brighton Beach, bairro do Brooklyn. É neste momento que o roteiro de Baker enfraquece, trocando a euforia e o tom cômico do início por uma busca desenfreada e arrastada por Ivan em vários estabelecimentos do submundo. O diretor tem dificuldade de manter o ritmo e consistência do roteiro neste capítulo da história. No entanto, é inegável que Mikey Madison é a grande força do filme, sua performance tem pulso e tesão, e é a grande oportunidade de Madison de ganhar destaque central após sua passagem marcante como coadjuvante em filmes como “Era Uma Vez em… Hollywood” (2019) e “Pânico” (2022). Madison deverá constar na lista de indicadas ao Oscar por Melhor atuação em 2024 e é merecido o reconhecimento.

A produtora de filmes independente Neon ainda tenta emplacar uma indicação a Melhor ator coadjuvante para Yura Borisov, além é claro das categorias principais. “Anora” ganhou hype após vencer a Palma de Ouro em Cannes, mas assim como “Triângulo da Tristeza” (2022), que também ganhou Cannes e foi indicado ao Oscar de Melhor Filme, deverá ter presença garantida entre os indicados a Melhor Filme no Oscar mas com status de azarão.

“Anora” tem muitas qualidades, mas certamente ganhou um overhype desmedido tendo sido uma escolha duvidosa para o prêmio máximo em Cannes, já que havia filmes superiores na Competição como “A Substância” (2024) e o acachapante iraniano “A Semente do Fruto Sagrado” (2024). Este recebeu incompreensivelmente um prêmio especial de consolação ao invés de levar a merecida Palma de Ouro. Seja qual foi a razão política para premiar “Anora” e não o “Fruto Sagrado”, o reconhecimento deu tração e inflou o marketing de Sean Baker e sua obra.

Uma adição notável na filmografia de Baker, “Anora” é uma experiência que faz o público dar risadas nervosas, se chocar e se sensibilizar em um pacote afiado sobre o universo de garotas de programa deste século. O que “Uma Linda Mulher” (1990) tinha de doçura e romantismo no século passado, aqui vira pó em uma perspectiva crua, frenética e desoladora sob os olhos de Sean Baker.

Marcello Azolino

Advogado brasiliense, cinéfilo e Profissional da indústria farmacêutica que habita São Paulo há 8 anos. Criou em 2021 a página @pilulasdecinema para dar voz ao crítico de cinema e escritor adormecido nele. Seus outros hobbies incluem viagens pelo mundo, escrever roteiros e curtir bandas dos anos 80 como Tears For fears, Duran Duran e Simply Red.

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