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“Alice no País das Trevas”: Uma incursão sombria ao clássico de Lewis Carroll |2024

O lançamento de “Ursinho Pooh – Sangue e Mel” no ano passado, fez retornar a prática de reimaginar contos infantis em contextos mais sombrios. Uma tendência que encontra raízes nas origens assustadoras de histórias como “Chapeuzinho Vermelho”, “João e Maria”, “Pinóquio”, entre outros. Esta nova onda teve enorme sucesso comercial, resultando no anúncio de diversos outros projetos similares. Porém, “Alice no País das Trevas” não se enquadra nesse novo universo compartilhado. Inicialmente, o filme imprime uma atmosfera onírica e contemplativa, quase experimental, com a estética típica do cinema independente. Entretanto, a narrativa acaba por se desdobrar de maneira repetitiva, carecendo de argumentos substanciais para sustentar sua proposta.

Após a trágica perda de seus pais, Alice (Lizzy Willis) é acolhida pela avó Beth (Rula Lenska) em uma casa isolada no meio da floresta. Contudo, à medida que eventos misteriosos e perturbadores começam a se desdobrar ao seu redor, Alice se vê mergulhada em um turbilhão de incertezas, incapaz de discernir entre a realidade e a fantasia.

Uma das características mais marcantes do clássico de Lewis Carroll é a habilidade em transportar o leitor para um mundo de imaginação, onde o absurdo reina supremo e as regras da lógica são constantemente desafiadas. Este brilhantismo do material base possibilitou várias interpretações e análises, que vão desde questões filosóficas até psicológicas. “Alice no País das Trevas” busca essa complexidade, mas, enquanto Carroll alcançou uma linguagem universal através da literatura, a direção de Richard John Taylor é, na melhor das hipóteses, simplória. A “viagem” de Alice começa de uma forma aparentemente óbvia. Repentinamente, ela adoece e, no processo de repouso à base de muito chá, o contato com o universo fantástico acontece. Os personagens clássicos estão antropomorfizados, ou seja, do coelho ao gato, todos se apresentam como homens e mulheres em situações das piores possíveis. De abuso a assassinato. Tendo como perspectiva uma menina que perdeu os pais, a metáfora indica um processo de cura interior.

Existe um ar de mistério envolvendo a casa e seu passado, e ao longo da narrativa, muitos aspectos apresentados são colocados em xeque. Qual seria a origem das visões vivenciadas por Alice? Sejam elas espíritos, projeções mentais ou outros fenômenos sobrenaturais, a constante incerteza permeia a trama. A dúvida se estende também ao agente desencadeador dessas visões. Seria a avó de Alice uma influência? Forças malignas provenientes da própria mansão assombrada? Talvez seres misteriosos da floresta… Com uma duração de apenas 1 hora e 16 minutos, o filme deixa pouco tempo para desvendar esses mistérios, além não fornecer as peças necessárias, tornando a experiência mais sensorial e menos ativa para o espectador.

Esse direcionamento mais sensorial exige imersão, e a imersão, por sua vez, requer uma atmosfera envolvente, algo que o longa não entrega. A tentativa de gerar angústia se expressa nos enquadramentos fechados, buscando criar uma sensação de claustrofobia, de estar sem saída. Entretanto, ao utilizar esse recurso de forma repetitiva, seu impacto se perde e, com o tempo, fica evidente que limitar nossa visão não passa de uma forma de esconder os cenários, que em sua maioria são pouco trabalhados, destacando o baixo valor de produção e a falta de criatividade na busca por alternativas. O que resta é um projeto bem-intencionado, porém, pouco efetivo. A menos que o objetivo seja a cura para a insônia. Se este for o caso, seus problemas acabaram.

Rafa Ferraz

Engenheiro de profissão e cinéfilo de nascimento. Apaixonado por literatura e filosofia, criei o perfil ‘Isso Não é Uma Critica’ para compartilhar esse sentimento maravilhoso que é pensar o cinema e tudo que ele proporciona.

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