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“Ainda Somos os Mesmos”: Thriller político exibe drama vivido por brasileiros abrigados na Embaixada Argentina após o golpe de estado de Pinochet | 2024

O golpe militar ocorrido no Chile em setembro de 1973, que culminou com a deposição e a morte do presidente socialista Salvador Allende, é comumente descrito pela historiografia como o mais violento da América Latina. As imagens chocantes de caças da força aérea bombardeando o Palácio de La Moneda, sede do governo chileno, é o ponto alto de um macabro círculo vicioso que havia tomado conta do continente desde os anos 1960. Alçado ao poder, o ditador Augusto Pinochet governou o país com mãos de ferro por 17 anos. Nesse período, prisões arbitrárias, desaparecimentos forçados e o assassinato de opositores do regime fizeram parte de uma cartilha cruel erigida ao status de política de estado baseada no terror, concebida para sufocar e exterminar qualquer oposição política ao regime, que afetou não só o povo chileno, como, também, qualquer cidadão que vivia no país naquele momento.

É dentro desse contexto histórico que o thriller político “Ainda Somos os Mesmos”, do diretor e roteirista Paulo Nascimento, traz à luz a saga verídica de um grupo de militantes brasileiros que viveram dias a fio em asilo forçado na Embaixada da Argentina no Chile, logo após o golpe de estado promovido por Augusto Pinochet. O filme foi rodado no Brasil e no Chile e traz no elenco Edson Celulari, Carol Castro e Lucas Zaffari.

Laureado com o prêmio de melhor filme independente no Montreal Independent Film Festival 2023, o longa tem como fio condutor a história de Gabriel (Lucas Zaffari), um jovem estudante de medicina envolvido com os movimentos de esquerda, que sai clandestinamente do Brasil para fugir da ditadura militar em busca de liberdade e uma nova vida, quando encontra um contexto de insegurança e violência dos militares e policiais chilenos. Na época, os únicos locais seguros eram as embaixadas e, após três anos no Chile fugindo do Exército, Gabriel encontra abrigo na Embaixada Argentina, onde conhece Clara (Carol Castro) e centenas de brasileiros que estão em busca de sobrevivência. O pai de Gabriel, Fernando (Edson Celulari), que permaneceu no Brasil, tem a missão de resgatá-los.

O clima de tensão que irá perpassar todo filme é construído desde a primeira cena. Nela, Gabriel e seu pai estão discutindo os detalhes de sua fuga para o Chile. É uma conversa difícil, pois Fernando sabe que o idealismo do filho não passa de uma ilusão juvenil. Mesmo não compactuando com suas convicções políticas, Fernando não quer correr o risco de ver Gabriel capturado pela repressão no Brasil. Aquela altura, o país estava mergulhado nos chamados anos de chumbo, com a tortura institucionalizada nos porões. Por ser um empresário que tinha negócios com o governo brasileiro, o melhor a fazer era afastar o seu do radar e da sanha dos “caçadores de comunistas”.

As condições precárias de sobrevivência dentro da embaixada e a sensação de prisão e sufocamento são muito bem construídas com o uso de planos fechados e câmera na mão. A todo instante o clima de tensão está presente. E por ser um filme independente – e provavelmente de baixo orçamento -, a sua qualidade é garantida pelo bom roteiro e a excelência das atuações, com destaque para Carol Castro, que emprega uma comovente carga dramática à personagem Clara, cuja sanidade foi profundamente abalada após presenciar o assassinato de seu marido no Brasil pelos militares.

Vale destacar, também, os dilemas morais complexos provocados pela situação extrema vivenciada por aquele grupo de pessoas. A alimentação racionada, a saúde frágil de alguns e uma gravidez em estado avançado são circunstâncias propícias ao conflito, que, irremediavelmente, levam às escolhas drásticas. Sobreviver nessas condições exigem decisões difíceis e por vezes condenáveis. Como diz um dos personagens que pode ser tido como um dos antagonistas: “aqui dentro temos regras próprias”.

O ponto baixo talvez seja a constância da trilha sonora em quase todas as cenas. É compreensível que essa escolha tenha sido motivada para ajudar na construção do clima de suspense. Porém, o uso exagerado gera certo incômodo, mas nada que estrague a experiência. O tempo de exibição (1h30min) também parece ter prejudicado o andamento da trama, que por vezes se monstra apressada. Um pouco mais de tempo de tela, talvez, contribuiria sobretudo para um melhor desenvolvimento das situações em que o protagonista precisa resolver os muitos problemas enfrentados pelo grupo.

“Ainda Somos os Mesmos” é um retrato cruel de como o terrorismo de Estado é abominável, que enxerga na dissidência política uma ameaça que precisa ser exterminada, cujo funcionamento se alimenta de uma lógica distorcida e cruel, que desumaniza adversários, e legitima a violência covarde contra a sua própria gente.

Vitor Pádua

Advogado que expia o juridiquês com a paixão pela fotografia e pelo cinema.

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