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“A Última Invocação”: Do mesmo diretor do clássico Ringu, longa faz releitura do mito de Rokujō no Miyasudokoro | 2024

Hideo Nakata é um dos cineastas responsáveis pela popularização do J-horror internacionalmente. Ainda que o Japão tenha uma longa tradição de filmes de terror, com clássicos como “Kuroneko” (Gato Preto, 1968) e “Onibaba” (1964), foi somente nos anos 1990 que o gênero ganhou projeção no ocidente. “Ring” (Ringu, 1998), também conhecido como “O Chamado”, marca esse ponto de virada, especialmente após o lançamento da refilmagem americana em 2002, que consolidou a obra e o nome de Nakata na história do gênero. Ele dirigiu outro sucesso, esse de menor apelo, “Água Negra” (Dark Water, 2002), mas desde então sua carreira sofreu uma queda vertiginosa, e, infelizmente, “A Última Invocação” é mais um passo ladeira abaixo.

A trama acompanha Naoto Ihara (Daiki Shigeoka), sua esposa Miyuki (First Summer Uika) e seu filho Haruto (Minato Shogaki), que formam uma família aparentemente perfeita, com direito a uma casa com cercas brancas e um jardim florido. No entanto, essa serenidade é abruptamente interrompida quando um trágico acidente leva um dos familiares a óbito, mergulhando os sobreviventes em um luto avassalador. Nesse processo, segredos ocultos começam a emergir, transformando a vida deles e dos que o rodeiam em um verdadeiro inferno.

É comum que certas limitações de um projeto encontrem na criatividade um meio de evitar fragilidades. Frequentemente, isso ocorre em produções de baixo orçamento, algo que o próprio Hideo Nakata conhece bem. Em “Ringu”, sua obra-prima, a abordagem minimalista se destacou justamente porque não havia recursos técnicos que permitissem efeitos visuais grandiosos, exigindo uma estética mais contida, focado na sugestão e condizente com a proposta. Vale ressaltar um ponto essencial: um efeito visual aparentemente artificial não é necessariamente uma fraqueza, mas torna-se problemático quando a narrativa busca realismo, mesmo em histórias com elementos fantásticos. Um exemplo didático: enquanto o Hulk é um ser extraordinário em um mundo real, Thor é um deus que habita, em parte, um mundo fantástico. Isso estabelece limites diferentes para a suspensão de descrença; uma Nova York artificial pareceria mais estranha aos olhos do que uma Asgard estilizada. Em “A Última Invocação”, porém, o limite entre esses dois mundos parece se confundir, e, se a intenção era provocar estranhamento, o efeito alcançado foi mais próximo de risos involuntários, com uma estética que beira o ridículo.

O filme explora o mito de Rokujō no Miyasudokoro, uma figura da cultura japonesa cujo primeiro registro data do século XI. No conto, a narrativa é marcada por ciúme e possessividade que levam à manifestação de um ikiryō (espírito vivo), causando morte e sofrimento. Rokujō no Miyasudokoro é uma personagem tradicionalmente adaptada para o teatro Nô — uma forma clássica de teatro japonês — onde sua figura ganha contornos simbólicos, representando o conflito entre amor e ressentimento. Mesmo com um material tão rico em mãos, Nakata opta por esvaziar o contexto, apresentando a assombração com o mero intuito de causar sustos. Embora essa abordagem simplista funcione em certos filmes de terror, aqui o efeito se enfraquece, pois a entidade dificilmente impactará o público contemporâneo, habituado a representações visuais mais elaboradas. Além disso, o filme sequer investe em artifícios psicológicos que possam gerar algum nível de tensão ou imersão, tornando-se, portanto, falho em ambos os aspectos.

Dessa forma, dispensando o uso das sombras para assustar com o que não é visto, deixando de construir uma atmosfera de suspense e subestimando o ceticismo do público ao apresentar uma figura inverossímil em uma narrativa que se propõe realista, “A Última Invocação” realiza a proeza de mirar em bons alvos e errar miseravelmente em cada um deles.

Rafa Ferraz

Engenheiro de profissão e cinéfilo de nascimento. Apaixonado por literatura e filosofia, criei o perfil ‘Isso Não é Uma Critica’ para compartilhar esse sentimento maravilhoso que é pensar o cinema e tudo que ele proporciona.

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