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“A Procura de Martina”: personagem-título representa o desejo de manutenção da memória frente aos horrores cometidos pelas ditaduras sul-americanas | 2025

“A Procura de Martina” se inicia com a imagem deformada de um rosto num espelho, onde também é possível perceber alguns recados colados. Uma metáfora que já antecipa o estado de degradação mental pela qual passa a personagem-título, uma mulher recém-diagnosticada com Alzheimer que, enquanto lhe sobra algum resquício de autonomia, deseja encontrar o neto sequestrado por agentes do Estado durante o período da ditadura militar na Argentina.

Integrante da associação que ficou conhecida como As Mães da Praça de Maio, a protagonista interpretada por Mercedes Morán (“A Menina Santa”) personificará o desespero que toma conta de mulheres que vivem há décadas a angústia de não saber o paradeiro de seus entes queridos, vítimas de um dos atos mais nefastos ocorridos em nosso continente: o sequestro de bebês filhos de militantes que lutavam contra o regime.

Após o surgimento de uma pista que aponta o Rio de Janeiro como um destino provável, Martina parte, munida de muita determinação e de seu bloco de notas, numa jornada pelo direito de conhecer o neto e estabelecer – e enquanto for possível – a verdade. Na capital fluminense, contudo, ela vai descobrir que essa não será uma tarefa tão simples já que aqueles que parecem saber do paradeiro do rapaz, por razões pessoais, não se mostram tão dispostos a colaborar. Ao que tudo indica, Ignácio (agora Ricardo) enveredou pelo caminho do crime e precisa se esconder, perigo este utilizado pela mulher que o criou para não revelar o seu esconderijo.

O elenco feminino é o maior trunfo do longa dirigido por Márcia Faria. Além da sempre competente Morán como protagonista, atriz que consegue alternar perfeitamente o desnorteamento e a assertividade de sua personagem, outras figuras ganham destaque, sobretudo Adriana Aizemberg na pele de uma amiga de Martina aficionada pelo Boca Juniors, e Luciana Paes, que vive a funcionária do hotel que aos poucos vai se envolvendo na busca da hóspede estrangeira. No entanto, esse time de ótimas intérpretes, cuja dinâmica forma a alma do projeto, esbarra nas limitações impostas pelo roteiro escrito em coautoria pela diretora e por Gabriela Amaral Almeida, eximindo-se de avançar nas tensões dramáticas que levanta e deixando os conflitos expostos ao espectador pairando na mesma incerteza na qual se encontra Martina.

Ao dar corpo e voz à luta de todas aquelas que tiveram seus filhos assassinados e netos raptados ao longo dos anos de chumbo na América do Sul, Martina se torna símbolo de um continente que mantém uma relação controversa com o seu passado. De lembranças claudicantes, quase desvanecidas, ela representa a necessidade de resistir e jamais esquecer, principalmente quando os efeitos dos crimes hediondos cometidos (e ainda impunes no caso brasileiro) são sentidos até hoje. A visão, diante de uma obra que resgata horrores pouco falados, não pode ser outra senão a de uma imagem distorcida, borrada, tal qual a de um país sem memória que se olha no espelho.

Alan Ferreira

Professor, apaixonado por narrativas e poemas, que se converteu ainda na pré-adolescência à cinefilia, quando percebeu que havia prendido a respiração ao ver um ônibus voando em “Velocidade Máxima”. Criou o @depoisdaquelefilme para dar vazão aos espantos de cada sessão e compartilhá-los com quem se interessar.

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