“A Perfect Love Story”: Filme “road trip” experimental é marcado por metaliguagem e romance nos Balcãs | 2024
A cena inaugural de “A Perfect Love Story” é um encontro entre um produtor cinematográfico (Srđan Vuletić) e uma jovem cineasta (Sadžida Tulić) apresentando o conceito e o roteiro de seu longa-metragem que busca financiamento. O produtor passa a tecer uma série de comentários/feedback que invalidam o projeto, indo desde críticas misóginas até a inconsistência da estrutura do roteiro. Logo percebemos que o longa pula deste momento desconfortável para o enredo que a cineasta estava “vendendo” para este produtor, aplicando uma metaliguagem do tipo “filme dentro do filme”. Nesta história, o casal de namorados, interpretados pela atriz Enisa Njemcevic e pelo ator Victor Bessière, foge da Bósnia em um carro velho e minúsculo. Ela é uma artista de espírito livre de Sarajevo e ele um fotojornalista francês. Após colocarem as mãos em uma alta quantia de dinheiro decorrente de um assalto a um banco, que nunca é explicado ou abordado diretamente, o casal passa a vivenciar uma série de experiências que colocarão a relação dos dois à prova à medida que avançam pelo interior da Bósnia e pelo litoral da Croácia.
O filme tem um ar de improviso e de ultra-realismo, até porque a maioria dos atores na tela são pessoas comuns que nunca tiveram ou tiveram pouquíssima experiência com o audiovisual. A obra foi financiada através da plataforma de crowdfunding Indiegogo e praticamente toda a equipe técnica e o elenco toparam participar do projeto sem receber qualquer cachê. A diretora do projeto chama-se Emina Kujundzic e é originária da Bósnia e Herzegovina, onde começou sua carreira como figurinista de curtas e longas feitos em seu país. Na cena inicial do bate-papo constrangedor entre uma cineasta e um produtor, Kujundzic até aborda a falta de prestígio que figurinistas vivenciam ao terem seu trabalho subvalorizado ou reduzido ao campo estético superficial, no diálogo ácido entre os dois. Segundo o produtor, o roteiro que ela apresenta a ele se prende a muitos “detalhes femininos”, como a cor das roupas ou dos móveis em cena… Este elemento crítico insiste em pontuar o roteiro e quebrar a barreira narrativa ao misturar a história de amor de seus protagonistas com as dificuldades de filmar a própria história que estamos assistindo.
Enquanto a garota da história tem ambições próprias e quer crescer na vida, seu namorado tem ideais de vida simplistas e procura um futuro mais cômodo que ela. Aos poucos, essas duas perspectivas de vida vão crescendo em tensão e revelando que o casal tem mais divergências do que conexão propriamente dita. A jornada deste casal em autodescoberta ganha uma bela estética com a fotografia mais naturalista de Almir Đikoli e ainda conta com uma eficiente trilha sonora a cargo de Sloven Anzulović.
“A Perfect Love Story” acaba sendo um interessante exercício experimental de longa-metragem de baixo orçamento feito na raça por seus realizadores e por pessoas apaixonadas pelo projeto. No entanto, a trama fragmentada, que insiste em abordar os elementos de metalinguagem para pontuar as dificuldades de fazer o próprio projeto que estamos assistindo, tira o público do eixo central da narrativa e acaba se tornando mera distração ao longo do caminho. Os cenários ensolarados e estimulantes dos Balcãs e o casal atraente parecem estar diluídos na indecisão da diretora em filmar uma história de amor no contexto de “road trip” ou pontuar uma crítica à indústria audiovisual misógina, superficial e cheia de barreiras para o cineasta autoral.