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“A Mulher que Nunca Existiu”: longa explora o desconforto do anonimato, a fragilidade dos vínculos e a busca por sentido no caos | 2025

O cinema frequentemente se debruça sobre personagens à deriva, mas poucos filmes encaram de frente o desconforto de quem precisa se reinventar quando a própria identidade parece ter se esgotado. Há algo inquietante nesse processo de recomeço, em que velhas referências perdem o sentido e toda tentativa de pertencimento se torna provisória. É nesse território de recomeços, perdas de sentido e pertencimentos instáveis que “A Mulher Que Nunca Existiu” encontra seu maior poder de expressão.

Na trama acompanhamos Aya/Amira (Fatma Sfar), uma jovem tunisiana que vive com os pais no sul do país, imersa em uma rotina sem perspectivas. Após sobreviver a um grave acidente, ela enxerga na tragédia a chance de abandonar o passado. Se mudando para a cidade grande e assumindo uma nova identidade, tenta recomeçar, mas seu desejo de anonimato é ameaçado quando se torna testemunha de um caso de violência policial.

Dirigido e roteirizado por Mehdi M. Barsaoui, “A Mulher Que Nunca Existiu” se insere na linhagem dos dramas existenciais ao acompanhar uma protagonista desprovida de vínculos sólidos e perspectivas profissionais. Quando tudo indica que Aya está condenada à repetição inerte do cotidiano, um evento trágico inesperado lhe oferece a possibilidade de recomeço. A primeira metade se dedica à orquestração desse recomeço, marcada por precisão e sensibilidade. O que surpreende, no entanto, é a reconfiguração na segunda metade do filme. Aya (agora Amira), permanece formalmente no centro, mas sua presença se torna gradualmente difusa, quase relegada à margem. O enredo desloca o foco, instaurando uma ambiguidade entre vítima e algoz que dilui a centralidade da personagem e tensiona o equilíbrio dramático. Trata-se de uma decisão formal ousada, mas que fragiliza a potência do drama, embora a direção se esforce, com relativa eficácia, para recompor a força nos minutos finais.

O roteiro, apesar do mergulho psicológico, recorre repetidas vezes a facilitações. As relações construídas ao longo da trama tendem à dispersão, como exemplifica a dona de padaria que acolhe Amira. Sugerida como figura materna, sua presença é pouco desenvolvida e, ao desaparecer abruptamente, não chega a criar vínculo real com o espectador. Outro ponto de tensão reside no descompasso entre o que se narra e o que se mostra em tela. O suposto escândalo envolvendo Amira, citado como de grande repercussão nacional, jamais se traduz em imagens de manifestações ou multidões. O alvoroço nas redes sociais, fundamental à narrativa, permanece fora de quadro. Em tela, Amira segue circulando sem grandes consequências, mesmo quando o roteiro sugere um ambiente social hostil.

“A Mulher Que Nunca Existiu” é um drama que aposta na ambiguidade, mas perde força ao diluir a trajetória de Aya/Amira e optar por soluções fáceis em momentos-chave. Ainda que apresente uma proposta interessante de reconstrução pessoal e explore o impacto de grandes traumas, o filme deixa de aprofundar tanto as relações secundárias quanto às consequências do escândalo central. Ainda assim, vale pela atuação de Fatma Sfar e pela tentativa de retratar a busca por identidade em meio ao caos.

Rafa Ferraz

Engenheiro de profissão e cinéfilo de nascimento. Apaixonado por literatura e filosofia, criei o perfil ‘Isso Não é Uma Critica’ para compartilhar esse sentimento maravilhoso que é pensar o cinema e tudo que ele proporciona.

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