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“A Metade de Nós”: Em seu primeiro longa, Flávio Botelho nos convida a uma sensível reflexão sobre dor e luto | 2024

Como responder ou encarar a perda de um filho? Esse questionamento parece ser o objeto de investigação de “A Metade de Nós”¸ longa de estreia do diretor Flávio Botelho, onde conheceremos Francisca e Carlos , um casal de terceira idade que é surpreendido com o suicídio de seu único filho, Felipe. Tentando se adaptar a essa nova realidade, ambos vivenciarão, à sua maneira, a experiência e os efeitos da dor causada pelo luto.

Já na cena inicial podemos ter uma ideia de como essa perda trágica afetará os personagens. Nela, Francisca informa ao médico psiquiatra que tratava de Felipe que ele havia cometido suicídio. Capturada por um sentimento de revolta, ela pergunta ao médico, em tom acusatório, o que ele havia feito ao seu filho. Um tenso e incômodo silêncio toma conta do recinto. Na cena seguinte, o casal está no apartamento do filho. Lá encontram móveis empoeirados, pratos de comidas jogados sobre os cômodos e roupas espalhadas pelo chão. Ao constatar o ambiente caótico, Francisca e Carlos passam a ter noção das angústias de Felipe e do quadro depressivo que ele estava enfrentando.

A partir daí o filme mergulha no processo de luto enfrentado pelo casal. Francisca é tomada pela amargura, pelo sentimento de culpa e por uma certa frieza, imediatamente sentida pelo seu companheiro. Já Carlos, tenta se agarrar às memórias do filho, ao mesmo tempo que passa a abusar do álcool para suportar a sua dor. Reações tão distintas e aparentemente inconciliáveis fazem o casal se separar. Durante essa travessia, ambos vivenciarão experiências radicais. Carlos irá se mudar para o antigo apartamento de Felipe, embrenhando-se no mundo de seu filho morto, numa tentativa desesperada de tê-lo próximo de si. Francisca, assombrada por sua consciência, fica obcecada em resolver o enigma do homicídio.

Apesar dessa realidade trágica, o roteiro, também escrito por Flávio Botelho, conduz o drama vivido pelos personagens de forma madura e delicada, sem riscos de tornar a história piegas. Esse toque sensível, essa maturidade em apresentar dramas humanos difíceis é o ponto alto do filme, algo que não deixa de surpreender quando se trata de um diretor em sua primeira experiência à frente de um longa-metragem. Talvez o mérito de Flávio tenha sido o de contar a sua história de forma minimalista, em tom quase intimista, sem ousadias estilísticas, produzindo um estudo de personagens realista e bastante interessante, deixando de lado, acertadamente, qualquer tentativa exibida de elaboração psicológica mais profunda.

Tudo isso é impulsionado por um elenco afiado, com Cacá Amaral (Carlos) e Denise Weinberg (Francisca) emprestando todo o seu talento para os protagonistas da trama. A economia de gestos e os longos silêncios – a tônica do filme – são sempre um desafio para o ator, que nesses casos conta apenas com a expressão do rosto para emular as emoções do personagem. E fazer isso sem que fique parecendo caricato é algo que apenas grandes atores conseguem alcançar.

“A Metade de Nós” é um filme que fala sobre a reação ao luto, um sentimento universal e tão intrinsicamente ligado à natureza humana, que sempre nos convida à reflexão.

Vitor Pádua

Advogado que expia o juridiquês com a paixão pela fotografia e pelo cinema.

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