“A Hora do Orvalho”: Inspirado em uma história real, longa explora uma tocante trajetória marcada por erros e recomeços | 2024
Quando pensamos em moralismo, duas interpretações principais vêm à mente. Em seu sentido histórico, o termo evoca pensadores que exploram questões éticas, como Aristóteles, com suas reflexões sobre virtudes e deveres. Já no uso coloquial, muitas vezes pejorativo, descreve quem impõe padrões morais de forma rígida ou hipócrita. Em “A Hora do Orvalho”, ambos os significados parecem coexistir, ainda que de forma contraditória. Por um lado, a narrativa adota uma abordagem direta e moralizante; por outro, revela uma delicada poesia que se manifesta desde o título. O “orvalho” — fenômeno natural em que gotículas de água se formam durante a noite — é aqui uma metáfora para renascimento, sugerindo que, mesmo após as noites mais frias, a manhã traz a promessa de um novo começo. Assim, o cineasta italiano Marco Risi combina elementos do popular e do erudito, tecendo uma narrativa que, embora siga caminhos bastante familiares, consegue encontrar momentos de intensa emoção.
A trama segue Carlo (Alessandro Fella), um jovem rico, mimado e irresponsável que, após causar um grave acidente de carro durante uma noite de excessos com os amigos, é sentenciado a cumprir um ano de trabalho comunitário em uma casa de repouso.
A previsibilidade costuma ser associada a algo negativo, mas, na prática, ela pode criar uma sensação de conforto, como ocorre em comédias românticas, onde o desfecho esperado é, muitas vezes, parte do encanto. No entanto, fora do gênero do suspense — onde a previsibilidade é um pecado mortal —, narrativas densas que evocam reflexões tendem a perder impacto quando se tornam excessivamente previsíveis. Esse é um dos desafios de “A Hora do Orvalho”. A premissa de um jovem rico sendo obrigado a trabalhar em um asilo para idosos, muitos deles de origem social semelhante à dele, deixa claro que uma lição transformadora o aguarda. Em meio a isso, não há grandes surpresas, apenas o ordinário. Isso não seria necessariamente um problema, mas, sem virtuosismos técnicos que compense essa simplicidade, a falta de momentos mais impactantes transforma a trama em algo, no máximo, morno.
O filme organiza sua narrativa seguindo o ciclo das estações, um recurso que lembra a composição “As Quatro Estações”, de Antonio Vivaldi. Enquanto Vivaldi criou sonetos para cada estação, traduzindo cenas e sensações em música, Marco Risi faz o caminho inverso: utiliza imagens para capturar a essência das estações.
Na primavera, a renovação da natureza e a alegria ganham vida através de personagens e cenários que simbolizam novos começos com momentos de leveza. O verão, por sua vez, traz uma atmosfera de intensidade e energia, refletindo o calor e as tempestades que sacodem a tranquilidade. No outono, a narrativa abraça a celebração, como as festividades que precedem a transição para um estado de calma. Por fim, o inverno aparece com sua dualidade: o rigor do frio e do vento, contrastado pelo aconchego e pela introspecção que acompanham o abrigo contra as adversidades externas.
Ainda que esse paralelo estético seja interessante, o desenvolvimento dos personagens é limitado. Todos ao redor de Carlo parecem existir apenas para impulsionar seu arco narrativo, e não como indivíduos com vidas próprias. A cena de um diálogo doloroso entre pai e filho, por exemplo, serve essencialmente para arrancar lágrimas de Carlo e reforçar “a lição do dia”. Essa dinâmica se repete com os internos da casa de repouso e até com Luisa (Lucia Rossi), uma enfermeira cativante, mas subaproveitada.
Com seus altos e baixos, “A Hora do Orvalho” consegue transmitir sua “moral da história” de forma envolvente. Apesar de algumas arestas ainda presentes, o filme entrega uma narrativa leve, com o potencial de inspirar e tocar o público.