“A Flor do Buriti”: Premiado em Cannes, longa retrata resistência e luta do Povo Krahô | 2024
Dirigido pela dupla Renée Nader Messora e João Salaviza, “A Flor do Buriti” é uma interessante mistura de formatos que pode ser definido como um “Documentário Etnográfico Encenado”. Embora inicialmente essa definição possa parecer confusa, desde os primeiros minutos os cineastas situam a narrativa no contexto histórico devido e centram o lugar de fala nos verdadeiros protagonistas, o povo indígena Krahô. De certa forma, eles simbolizam uma luta muito maior que abrange toda a diversidade dos povos indígenas. A trama habilmente sintetiza essa luta em uma pequena aldeia, destacando não apenas seu passado trágico, mas também o cotidiano e sua rica cultura. No entanto, o filme não é uma “carta de amor”; trata-se de uma nota de repúdio, um grito de alerta, um pedido de socorro.
Importante ressaltar que, ao situar a experiência na perspectiva do povo Krahô, é natural que a jornada traga momentos mais contemplativos. A noção de tempo, incluindo o tempo histórico, é distinta da maioria de nós, portanto, o filme não abre concessões e, para se manter fiel à proposta inicial, não se dobra a nenhum clímax ou ponto de virada. O trauma coletivo e histórico está profundamente entrelaçado com a atualidade. Houve um massacre naquela terra há cerca de 50 anos atrás, mas esse tempo não parece distante, em parte porque a ameaça nunca deixou de existir. Nenhuma conquista está garantida, e mesmo no século XXI, a luta pelo direito de existir ainda é necessária.
O longa tem algumas sequências que retratam protestos contra o marco regulatório, incluindo depoimentos de personalidades relevantes no debate, como a atual ministra Sonia Guajajara, e palavras de ordem ditas por lideranças, algumas aqui sem nome. Ainda que esse recorte seja importante, a mescla de documentário e ficção diminui um pouco a força desse discurso, já que ele é apresentado sem o devido contexto. Os personagens, interpretados por atores nativos, acabam se tornando meros dispositivos para ilustrar de forma didática, contudo o didatismo está muito focado nos sentimentos e pouco no ativismo. Isso não diminui o valor da obra, mas reduz seu impacto e, muito provavelmente, seu alcance.
É bonito ver a cultura do povo Krahô apresentada sem aquele toque de exotismo. Parte dessa beleza está na preservação da língua, que predomina nos diálogos. Porém, o exercício de observação contemplativa permite uma aproximação afetiva restrita a um público muito específico – aqueles mais inteirados das causas e problemáticas indígenas, ou seja, voltado a um espectro político bem específico e engajado. Como consequência, o alerta e o senso de urgência acabam por ecoar para um público interno, quase como uma pregação para convertidos. Paradoxalmente, a simplicidade assume um tom hermético, no qual a compreensão e a conexão não são tão óbvias quanto os criadores fazem parecer.