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“A Filha do Palhaço”: Longa aborda a relação entre pais e filhos pela perspectiva dos humoristas de boteco | 2024

“Se estamos no buraco, temos que brilhar!”

Paulo Diógenes foi um dos principais artistas populares brasileiros das últimas décadas. Nascido no Rio e radicado em Fortaleza desde os seis anos de idade, o ator e humorista fez carreira apresentando-se nos palcos dos bares da capital cearense já no apagar das luzes da década de 1970. Mas foi a partir de 1988 – ainda sob o clima pesado de uma ditadura supostamente recém-finda -, com a extravagante personagem Raimundinha, que ele se tornou um símbolo da cultura daquela cidade. E eis que, poucos meses após a sua morte em fevereiro deste ano, o cineasta Pedro Diógenes lança nos cinemas “A Filha do Palhaço”, longa cujo protagonista é inspirado na figura de seu célebre primo.

O roteiro escrito pelo diretor, em parceria com Michelline Helena e Amanda Pontes, conta a história de Renato (Demick Lopes), um ator que, sem muitas chances num cenário artístico de maior prestígio, ganha a vida através de performances humorísticas em botequins ou festas que lhe rendam alguns trocados para subsistir. Montado como a drag Silvanelly, com suas roupas berrantes e maquiagem pesada, ele percorre as ruas de Fortaleza na Fiat Uno que lhe serve de camarim e tem que lidar com a frustração de ter que se apresentar muitas vezes para plateias que estão bem mais interessadas num chopp gelado e no futebol que passa na tevê. Sua rotina solitária de apresentações, que geralmente termina no combo cigarro e cachaça num balcão qualquer, muda quando sua filha adolescente resolve conhecer mais a fundo o homem a quem só via nos Natais.

À medida que Joana (Lis Sutter) vai ganhando espaço na vida de Renato, “A Filha do Palhaço” abre espaço para discutir a paternidade numa chave um tanto peculiar, embora estruturada a partir de uma história sobre perdão já contada diversas vezes no cinema. No confronto entre a necessidade da menina de saber as razões que levaram ao seu abandono e a gradual compreensão de Renato do que é vestir-se do papel de pai, e todo o baú de preocupações que ele acarreta, Pedro Diógenes sabiamente abre caminho para delicadas interpretações de seus protagonistas. Demick Lopes, com quem o diretor já havia trabalhado no maravilhoso “Inferninho” (2018), mostra mais uma vez o ator talentoso (e pouco notado) que é. Sua composição, que consegue trazer à mente não só os grandes humoristas a quem o filme presta tributo quando está em cima do palco, é riquíssima também na maneira como nos emociona com seu olhar tristonho, capaz de evocar desde a melancólica Cabíria de Fellini até os versos dolorosos do poema “Acrobata da Dor” de Cruz e Souza.

Por sua vez, a jovem Lis Sutter consegue traduzir todas as angústias de sua personagem e, mesmo ainda tão inexperiente, dialoga perfeitamente com seu parceiro de cena no processo de transformação mútua que se desenrola, tendo como maior exemplo dessa conexão, a linda cena em que ambos fazem uma releitura do sucesso “Tô Fazendo Falta”.

Laureado em diversos festivais, “A Filha do Palhaço” funciona como uma bela homenagem a uma importante personalidade das artes populares do Brasil, mas também é muito eficaz ao explorar os recursos da ficção na ampliação das possibilidades da história que conta. Embora trabalhe uma estética mais convencional que seus projetos anteriores, Pedro Diógenes demonstra mais uma vez fascínio e carinho por pessoas que fazem do lúdico uma forma de enxergar (e ganhar) a vida, seres que carregam bem mais lágrimas represadas do que o sorriso que exibem sobre o palco nos revela.

Alan Ferreira

Professor, apaixonado por narrativas e poemas, que se converteu ainda na pré-adolescência à cinefilia, quando percebeu que havia prendido a respiração ao ver um ônibus voando em “Velocidade Máxima”. Criou o @depoisdaquelefilme para dar vazão aos espantos de cada sessão e compartilhá-los com quem se interessar.

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