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“A Festa de Léo”: Primeiro longa do Nós do Morro é exemplo do cinema afetuoso que tem ressignificado as periferias brasileiras | 2024

O Grupo Nós do Morro foi criado em 1986 pelo ator e jornalista Guti Fraga para oferecer aos moradores da Comunidade do Vidigal no Rio de Janeiro o encontro com as mais diversas linguagens artísticas e, através delas, dar-lhes a oportunidade para que sejam ultrapassados os limites impostos a quem vive à margem dos olhares dos representantes do poder público. Ao longo desses quase quarenta anos em atividade, o Nós do Morro revelou nomes que hoje brilham, sobretudo no audiovisual. Babu Santana, Mary Sheilla, Thiago Martins, Cintia Rosa, Jonathan Haagensen e Roberta Rodrigues são algumas das “crias” do projeto que, reconhecidos pelo talento que carregam, tornaram-se figuras constantes (não raro como protagonistas) em diversas produções como filmes, novelas e peças teatrais e que, agora, com o lançamento de “A Festa de Léo”, podem celebrar uma espécie de retorno ao lar.

Primeiro longa-metragem produzido pelo Nós do Morro, o filme dirigido por Gustavo Melo e Luciana Bezerra se inicia com um belíssimo plano aéreo ao som de “Bom Conselho” de Chico Buarque. Dentre tantas casas no morro, a câmera nos leva até a janela de Rita (Cintia Rosa), uma representante das inúmeras mulheres batalhadoras das favelas brasileiras, que está às voltas com os preparativos para a festa de doze anos do filho quando descobre que o pai do garoto usou suas economias para pagar uma dívida com traficantes.

Os primeiros planos de “A Festa de Léo” deixam bem clara a proposta de extrair das situações mais corriqueiras na rotina dos moradores do Vidigal (que se amplia para as demais comunidades do País) a matéria-prima para suas cenas. Vemos, entre tantos outros exemplos da vida que se leva ali, os pequenos comerciantes abrindo suas lojas, os motoboys servindo como principal meio de transporte do lugar, mães que deixam seus filhos aos cuidados dos vizinhos para trabalhar e, claro, a triste influência do poder paralelo.

Contudo, é importante dizer que, embora a relação de Dudu (Jonathan Haagensen) com os criminosos do lugar afete na dinâmica entre os personagens na segunda metade da trama, é possível dizer que, diferente da maioria dos chamados favela movies que se tornaram populares nos últimos vinte anos, não há aqui o desejo de levar para consumo a realidade violenta nas regiões dominadas pelo crime.  O roteiro escrito pelos diretores se mostra bem mais interessado na questão familiar – o pai que não quer ser uma decepção para o filho, por exemplo – do que num eventual clímax que traga um confronto entre policiais e bandidos que possa gerar qualquer tipo de espetacularização. E nesse sentido, é possível dizer que o longa se aproxima em intenções com a antologia “5 Vezes Favela – Agora Por Nós Mesmos” (2011), que contou com vários nomes presentes em “A Festa de Léo, e com algumas obras lançadas recentemente pela produtora mineira Filmes de Plástico como o magnífico “Marte Um”. Todos esses títulos se irmanam de certa forma ao tentarem mostrar como o afeto e o espírito colaborativo, tanto de amigos quanto de familiares, ainda são as molas mestras a impulsionar as relações humanas nas áreas pobres do Brasil.

“A Festa de Léo, portanto, se aparta de uma vertente de nosso cinema que caiu no lugar-comum para se inserir como mais um exemplar que olha com maior identificação e, por consequência, humanidade para os moradores das comunidades. Sendo autores das próprias histórias (como aparece escrito em dado momento numa parede), seus participantes, frutos de um dos mais importantes celeiros culturais brasileiros, provam que a arte tem papel crucial não só na potencialização de jovens talentos como, principalmente, na inestimável formação de uma consciência cidadã. Uma festa que, com o investimento necessário, poderia se espalhar por todo território nacional.

Alan Ferreira

Professor, apaixonado por narrativas e poemas, que se converteu ainda na pré-adolescência à cinefilia, quando percebeu que havia prendido a respiração ao ver um ônibus voando em “Velocidade Máxima”. Criou o @depoisdaquelefilme para dar vazão aos espantos de cada sessão e compartilhá-los com quem se interessar.

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