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“A Colheita”: longa valoriza o coletivo, expõe fragilidades e recusa pressa | 2025

“A Colheita” inicia com uma cena que funciona como um rito silencioso. Walter Thirsk (Caleb Landry-Jones) atravessa a vegetação baixa, se arrastando lentamente pelas folhagens. Sente a madeira coberta de musgo com a boca, mergulha no lago como quem reencontra um abrigo. É um ato de conexão física e sensorial com o lugar, mas também um instante de introspecção. Ali, no contato íntimo com a terra e a água, o filme parece selar um pacto que ditará o tom da narrativa. A sequência transmite paz, quase como se o mundo ainda fosse íntegro, e é justamente essa serenidade que torna mais agudo o contraste com o que virá.

O filme se instala num ritmo paciente, disposto a percorrer o cotidiano da aldeia antes de expor suas rupturas. O trabalho com o cultivo do trigo, as roupas pesadas e gastas, o ar saturado de umidade, a sujeira nas unhas, as mãos castigadas pelo trabalho duro, o interior das casas marcado pela aspereza. A câmera observa sem pressa, registrando o conjunto mais do que o indivíduo, como se o esse coletivo fosse a verdadeira medida de um tempo antigo, não marcado por segundos, minutos ou horas, mas pelo ciclo das estações. Nesse cenário, apenas dois personagens recebem uma aproximação mais íntima. O protagonista Walter, e Charles Kent (Harry Melling), que aos poucos revela passagens de seu passado e nuances de vulnerabilidade.

Quando a modernidade se insinua como força disruptiva, já na segunda metade, o tecido comunitário começa a se desfazer. O pulso contemplativo se mantém, e a perda se manifesta menos em picos dramáticos do que no desgaste contínuo, como se a vida fosse sendo corroída por dentro. A ausência de clímax evidente pode soar como limitação para alguns, mas também como escolha consciente, recusando o impacto rápido em favor de uma permanência atmosférica.

Ao final, o que permanece é a sensação de um território absorvido pelos sentidos, tal como a cena inicial anunciava. “A Colheita” não busca a vertigem de uma montanha-russa, mas traça uma linha contínua em que a serenidade inaugural e o conflito que a sucede se fundem num mesmo pulso, tão constante quanto inevitável.

Rafa Ferraz

Engenheiro de profissão e cinéfilo de nascimento. Apaixonado por literatura e filosofia, criei o perfil ‘Isso Não é Uma Critica’ para compartilhar esse sentimento maravilhoso que é pensar o cinema e tudo que ele proporciona.

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