Festival do Rio: “Depois da Caçada”, de Luca Guadagnino
Drama com Julia Roberts e Andrew Garfield explora acusação de assédio sexual de aluna contra seu professor em Yale

O ano de 2025 foi produtivo para Luca Guadagnino, período em que entregou duas obras bastante reconhecidas e premiadas em um curto intervalo de tempo: “Rivais” (2024) e “Queer” (2024). Agora, o diretor italiano lança no circuito de festivais o aguardado “Depois da Caçada”, com um elenco estelar composto por Julia Roberts, Andrew Garfield, Chloë Sevigny, Ayo Edebiri e Michael Stuhlbarg. Tive a oportunidade de conferir o filme na abertura do Festival de Cinema de Nova York, e em breve ele chegará ao circuito brasileiro, com a honraria de também ter sido selecionado como filme de abertura do Festival do Rio.
“Depois da Caçada” acompanha a dinâmica de professores e estudantes do Departamento de Filosofia de Yale. Alma Imhoff (Julia Roberts) é uma prestigiada professora de filosofia que tem grandes pretensões na universidade; não só ela projeta uma de suas alunas, a complexa Maggie Price (Ayo Edebiri), como também mantém uma relação íntima de amizade com outro professor do departamento, Hank Gibson (Andrew Garfield). Alma entra em rota de colisão quando sua aluna-pupila alega que Hank teria cruzado a linha do aceitável ao assediá-la após um dos jantares verborrágicos na casa de Alma e de seu marido, Frederik (Michael Stuhlbarg). A câmera de Guadagnino nunca revela ao certo o que de fato ocorreu naquela noite, mas toda a graça do roteiro repousa justamente na ambiguidade que a roteirista estreante Nora Garrett decide implantar no eixo central de sua narrativa.
No mundo de Garrett e Guadagnino, nada é o que parece. As personagens atuam de forma dúbia, escondem segredos que o roteiro revela a conta-gotas, e há uma constante sensação perturbadora que envolve aquele grupo de pessoas. A áurea disfuncional que permeia essa história é ressaltada pelo trabalho de Trent Reznor e Atticus Ross, com composições originais que destacam barulhos de relógios e uma atmosfera tensa constante, ilustrando bem o estado de espírito — especialmente de Alma Imhoff. É um trabalho que domina diversas cenas, muitas vezes competindo com os diálogos do filme. Detalhe para a curiosa seleção de músicas brasileiras na trilha sonora, como “Lígia”, de Antonio Carlos Jobim, e “É preciso perdoar”, na interpretação de Ryuichi Sakamoto.
É Julia Roberts quem domina a maioria das cenas, e a perspectiva da história é quase sempre contada sob o ponto de vista dela. À medida que o enredo se desenrola, percebemos que esta é uma protagonista nada confiável, que guarda seus “esqueletos no armário”. A decisão de revelar aos poucos os segredos de Alma acaba por comprometer o desenvolvimento de outras personagens, que ganham tempo reduzido de tela, como a inexplicável participação de Chloë Sevigny como uma psicoterapeuta mal desenvolvida, que praticamente serve pouquíssimo ao tema central do filme. Por outro lado, Andrew Garfield constrói um Hank histérico, intenso e muitas vezes pegajoso, o que contribui para o público nunca saber ao certo se ele seria capaz, ou não, de assediar sexualmente sua aluna. Michael Stuhlbarg, por sua vez, assume a função de alívio cômico numa obra, em geral, carrancuda; suas cenas garantem alguns risos do público, dado seu comportamento — vamos dizer — pouco ortodoxo.
O filme busca criar discussões conectadas à onda do movimento #MeToo e adiciona camadas, como o fato de a aluna ser negra e parte da comunidade LGBTQIA+. Dessa forma, “Depois da Caçada” explora questões pertinentes de poder, consentimento, “cultura do cancelamento” e responsabilidade em ambientes acadêmicos. Pena que, muitas vezes, as discussões pretensiosas daquelas pessoas que jogam nomes filosóficos como Nietzsche e Heidegger a torto e a direito em seus debates acalorados acabam mais entediando o público do que servindo realmente à premissa do roteiro.
Com personagens complexos, que muitas vezes tomam decisões inexplicáveis, “Depois da Caçada” certamente será um filme divisivo, capaz de gerar boas discussões após sua projeção. Há cenas e elementos narrativos implantados ao longo da história que fomentam boas interpretações ao estilo “ame ou odeie”. No entanto, sua trama arrastada e sua falta de ritmo, com tantas personagens em cena, acabam afetando a experiência como um todo. No final, fica um gosto amargo na boca e a sensação de que temas tão contundentes e atuais poderiam ter ganhado uma perspectiva mais palatável.