“O Homem Mais Feliz do Mundo”: história de perdão e reconciliação retrata o conturbado painel social da cidade de Sarajevo | 2025

O tecido social na região dos Bálcãs ainda carrega as feridas abertas provocadas pelos conflitos ocorridos no início da década dos anos 1990. As marcas da guerra estão espalhadas pelos muros e prédios de Sarajevo, capital da Bósnia e Herzegovina, revelando a memória viva de um período sangrento, o mais violento da Europa desde o fim da Segunda Guerra Mundial. Apesar de seu encerramento, velhos ressentimentos e muitos assuntos mal resolvidos seguem permeando a vida da população que reside na capital.
A partir desse ambiente sociopolítico, a diretora Teona Strugar Mitevska constrói um interessante drama em “O Homem Mais Feliz do Mundo”. Baseado em eventos reais, o filme gira em torno de Asja, 40 anos, solteira, que conhece Zoran, 43 anos, durante um encontro organizado para solteiros. Entre conversas tensas e silêncios carregados, surge uma troca que expõe feridas do passado e uma difícil busca por reconciliação.
Um simples serviço para aproximar pessoas em busca de um relacionamento transforma-se em um verdadeiro experimento social. Perguntas triviais, feitas para que os pretensos casais possam se conhecer melhor, atingem um nível de tensão que traz à tona as muitas discussões envolvendo a identidade ético-religiosa da população de Sarajevo.
Não é difícil constatar que o discurso narrativo do longa advoga a ideia de que a solidão de parte de população da capital Bósnia é profundamente influenciada pelas marcas de guerra. Asja tem uma vida profissional estável; viajou para outros países; gosta de literatura, mas tem o desejo de formar uma família. Suas conquistas, no entanto, não escondem a dor que carrega, presente no seu olhar. Zoran também parece, até ali, ter tido uma vida normal, não fosse o grande sentimento de culpa que traz consigo desde os tempos da guerra, quando foi obrigado a fazer coisas horríveis. A postura errática nas interações com Asja é a representação física da angústia que lhe toma. O comportamento dos personagens secundários também ecoa o latente e conturbando clima sócio-político de Sarajevo.
Ao discutirem o conceito de relacionamento ideal, os personagens deixam escapar as rusgas sociais que constituem a identidade nacional de um país profundamente dividido. Servos e croatas; cristãos e muçulmanos são categorias de enorme peso para definir a escolha de um(a) companheiro(a). Para construir esse ambiente de permanente tensão, Mitevska concentra a trama quase inteiramente em uma única locação, numa clara referência a Sidney Lumet em “12 Homens e Uma Sentença”. A fotografia, ao usar uma paleta de cores esmaecida, representa melancolia e desesperança, sentimentos que parecem perpassar os homens e mulheres de meia idade que vivem na cidade.
O clima melancólico e pessimista que conduz a narrativa é aplacado pela cena final, que alguns podem entender ser uma visão romântica e tipicamente hollywoodiana. Eu prefiro acreditar que é uma aposta otimista para o espírito de Sarajevo, afinal jovens dançando ao som de música eletrônica é a representação visual de uma geração que finalmente pode celebrar a vida livre dos traumas da guerra.