“Dormir de Olhos Abertos”: longa retrata Recife como miragem no horizonte de personagens imersos na busca por pertencimento | 2025

Ao longo da história, a humanidade sempre esteve em movimento, seja por guerras, perseguições políticas e religiosas, pela busca de terras férteis ou pela necessidade constante de recomeçar. A diáspora chinesa é um dos exemplos mais marcantes dessa condição, presente em diferentes épocas e lugares, representada pelo cinema em registros dos mais diversos. De “Lírio Partido” (1919), de D. W. Griffith, a “Um Conto Chinês” (2011), com Ricardo Darín, a presença chinesa atravessa o imaginário cultural e se projeta também no cotidiano urbano, nas tradições culinárias, nos bairros que guardam a marca da imigração ou nos comércios que reiteram diariamente essa presença.
É nesse contexto que “Dormir de Olhos Abertos” se insere, acompanhando personagens que vagueiam e deixam transparecer nos gestos o peso de nunca pertencer inteiramente a lugar algum. A narrativa constrói uma atmosfera de vigília permanente, em que os personagens percorrem Recife como se compartilhassem uma insônia coletiva, incapazes de se entregar ao descanso. Mais do que noites interrompidas, vivem uma suspensão contínua, na qual o tempo avança sem trazer alívio. Há uma tristeza contida, emoções que não se transformam em lágrimas nem em confrontos, permanecendo sempre em estado de retenção.
Kai (Liai Kai Ro) desembarca em Recife trazendo uma desilusão amorosa e uma mala de expectativas. Sua passagem pela cidade é marcada por tentativas de adaptação que se desfazem entre curiosidade e solidão. Fu Ang (Wang Shin-Hong) encontra sobrevida em trabalhos improvisados, oferecendo produtos pouco ou nada úteis, expressando uma desconexão não só emocional, mas também material. Xiao Xin (Chen Xiao Xin) vive subordinada à tia, presa a uma rotina exaustiva e ao mesmo tempo inerte. Juntos, compõem um mosaico de deslocamentos que traduz a sensação de movimento contínuo sem chegada.
“Dormir de Olhos Abertos” não busca catarse, mas registra no corpo e no espaço a experiência de uma espera quase sem esperança. Há movimento, mas ele não conduz a outro lugar. Há esperança, mas ela não dura muito. Entre a vigília e os objetivos que sempre escapam, o longa apresenta vidas suspensas entre trânsito e imobilidade, habitantes de margens onde o tempo não oferece saída.