“Os Afro-Sambas: O Brasil de Baden e Vinícius”: com olhar reverente, longa reconstrói processo criativo de um dos álbuns mais marcantes da música brasileira | 2025

Com direção e roteiro de Emílio Domingos, “Os Afro-Sambas: O Brasil de Baden e Vinícius” não se estrutura como uma biografia tradicional, nem como uma simples homenagem a dois nomes fundamentais da música brasileira. O documentário parte de um recorte específico, a concepção do álbum “Os Afro-Sambas”, lançado em 1966, para construir um panorama sobre como a música de matriz africana foi absorvida, estudada e reverenciada por Baden Powell e Vinicius de Moraes. O longa tira da centralidade narrativa as trajetórias pessoais de seus protagonistas, e se volta para o processo criativo, investigando as influências, os encontros e as pesquisas que deram origem a um dos discos mais importantes da música popular brasileira.
Enquanto produções recentes, como “Elis & Tom”, optam por revelar aspectos íntimos e afetivos da relação entre os artistas envolvidos, “Os Afro-Sambas” adota uma abordagem mais analítica. O foco está na música, em sua construção, em sua carga simbólica, em suas raízes. O documentário dedica atenção especial ao percurso de Baden Powell, que não apenas incorporou elementos do candomblé, do samba de terreiro e da capoeira à sua obra, mas os investigou com profundidade. Suas viagens a diferentes regiões do país, o contato com terreiros e manifestações populares, e o estudo atento das ritmías afro-brasileiras compõem o centro das atenções. Vinicius de Moraes aparece como parceiro indispensável nesse processo. Sua poesia, impregnada de religiosidade e lirismo, encontra no universo afro-brasileiro um campo fértil de sentido e devoção.
A montagem do filme é discreta, evitando interferências ou artifícios estéticos que possam desviar a atenção do espectador. A escolha é deliberada e permite que a força do material fale por si. Ainda assim, a condução evita o tensionamento e, em nenhum momento Emílio Domingo parece interessado em lidar com o contraditório. O documentário pouco problematiza o contexto histórico em que o Afro-Samba foi concebido, tampouco se debruça sobre os limites entre influência e apropriação, ou sobre as complexas camadas sociais e raciais que atravessam esse diálogo entre tradição e inovação. Há uma reverência evidente, o que por vezes limita o alcance crítico da obra. É importante ressaltar que não se trata de abrir espaço para acusações anacrônicas. Nem Baden nem Vinicius incorreram nesse tipo de imprudência. No entanto, os tempos são outros, e há momentos em que o óbvio precisa, sim, ser reafirmado.
Apesar disso, o longa cumpre com mérito sua proposta. Reconstitui, com respeito e precisão, o ambiente de criação de um álbum que marcou a música brasileira pela ousadia de fundir universos até então pouco conectados na indústria fonográfica. Ao final, o que permanece é a consciência de que os Afro-Sambas, além de uma experiência estética, também ofertou um gesto generoso de escuta e valorização de uma herança cultural profunda e frequentemente marginalizada. Baden Powell e Vinicius de Moraes, com caminhos distintos, convergiram num ponto em que a música negra brasileira pôde se afirmar como centro e não ornamento. O documentário reforça essa ideia, lembrando que a grandeza daquela obra não está apenas em sua inovação formal, mas na maneira como ela reconhece e reverencia um Brasil ancestral, sonoro e de resistência.