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“Extermínio: A Evolução”: com Boyle de volta, longa abandona as origens e se entrega ao ‘camp’ | 2025

Encenar o fim do mundo exige escolhas, e “Extermínio: A Evolução” opta pelo excesso. Com Danny Boyle de volta à direção, o filme troca o rigor pelo delírio. Gestos coreografados, criaturas que flertam com o folclórico, cenas guiadas por uma lógica interna que ignora a verossimilhança. Nesse contexto, o camp, como articula Susan Sontag em seu célebre ensaio “Notas sobre o Camp”, não é ornamento: é forma e conteúdo. Ou, nas palavras da própria autora, “um modo de consumo, de apreciação”. Mais do que preferência estética, o camp é uma sensibilidade, um modo de ver que ignora fronteiras entre o “elevado” e o vulgar, valoriza o artificial como experiência estética legítima. Em vez de rir daquilo que ultrapassa a medida, investe nesse excesso com seriedade. Em “Extermínio: A Evolução”, essa lógica se manifesta com clareza. O brega não escapa ao controle, ele conduz. É justamente nesse descontrole assumido que o filme encontra sua vibração mais autêntica.

A adoção desse caminho marca uma inflexão dentro da franquia. “Extermínio: A Evolução” não tenta se alinhar com os dois primeiros filmes. O original, de 2002, foi um divisor de águas do horror moderno. Os infectados velozes, a ambientação das grandes cidades, somados à crueza quase documental da imagem, redefiniram o gênero. Não por acaso, obras como “Madrugada dos Mortos”, “Guerra Mundial Z”, “Train to Busan” e “[Rec]” retomaram esses códigos com novas roupagens. O novo filme reconhece essa herança, mas se recusa a seguir seus moldes. Troca o respeito pela reinvenção, mesmo que isso implique certa instabilidade.

Esse desvio, no entanto, não se impõe sem atrito. A linguagem adotada, distante do naturalismo em voga no cinema contemporâneo, exige outra postura menos cética do espectador. Em tempos marcados por um apego à contenção e ao psicológico, em que o medo se constrói pela sugestão e pela atmosfera, “Extermínio: A Evolução” soa como um corpo estranho. Ao invés do terror que se arrasta nas entrelinhas, o que se vê é um espetáculo em plena combustão, onde cada criatura encarna não apenas a ameaça, mas também uma fantasia, e talvez por isso encontre mais resistência do que reverência.

Mas nem todo risco resulta em êxito. Há fissuras que o filme não consegue disfarçar. Pensado como o início de uma nova trilogia, com a continuação já datada para janeiro de 2026, “Extermínio: A Evolução” deixa em suspenso arcos que pedem mais densidade. A jornada do protagonista mirim carece de alicerces afetivos mais sólidos. A relação paterna que se insinua se desfaz sem consequência, como se evaporasse no meio do caminho.

A ameaça, por sua vez, parece regulada por um algoritmo que ajusta a intensidade conforme o momento exige. O que deveria soar como urgência acaba por lembrar o ritmo de um jogo de videogame, com níveis de dificuldade que se alternam ao gosto do roteiro. Quando o personagem de Ralph Fiennes enfim ganha espaço, o filme impõe um freio brusco ao próprio ritmo, trocando a ação acelerada por uma meditação repentina, cuja filosofia permanece difusa, ora fascinante, ora deslocada.

“Extermínio: A Evolução” se impõe menos como continuidade de uma franquia e mais como ensaio visual sobre as possibilidades de linguagem no horror. Não se interessa pela coerência, mas pela fricção entre estilos. É uma obra atravessada por tensões, entre o legado que carrega e a estética que escolhe, entre gestos que parecem inaugurar caminhos e decisões que os desmancham antes da hora. Sua maior ambição talvez esteja justamente nessa recusa em ser transparente. Há, aí, um desejo de perturbar pela forma, como se dissesse que o apocalipse, para ser visto de novo, precisa também ser reinventado.

Rafa Ferraz

Engenheiro de profissão e cinéfilo de nascimento. Apaixonado por literatura e filosofia, criei o perfil ‘Isso Não é Uma Critica’ para compartilhar esse sentimento maravilhoso que é pensar o cinema e tudo que ele proporciona.

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