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“Você é o Universo”: uma viagem redentora pelo espaço ao lado do último romântico da espécie humana | 2025

Em 1972, o mestre Andrei Tarkovski ampliava ainda mais o alcance de seu cinema com “Solaris”, adaptação do livro de ficção científica escrito por  Stanisław Lem. Do lançamento do clássico soviético – que se tornou uma das maiores referências dentro do gênero – até o presente momento, a Terra girou e capotou tantas vezes que a União Soviética já não existe mais e, hoje, chegou-se ao ponto de duas das nações outrora pertencentes ao bloco, Rússia e Ucrânia, estarem há três longos anos em guerra.  E eis que, frente a esse novo contexto sócio-político, não deixa de surpreender a entrada na órbita de nosso circuito exibidor de “Você é o Universo”, um bem-sucedido exemplar na seara das narrativas espaciais vindo justamente do país governado por Volodymyr Zelensky.

Na trama somos apresentados a Andriy Melnyk, uma espécie de lixeiro espacial ucraniano cuja missão consiste em descartar toneladas de resíduos nucleares numa das luas de Júpiter e que, durante a viagem de volta, sobrevive a uma série de explosões que simplesmente pulveriza a Terra. Tendo apenas a companhia do robô Max, Andriy acredita por muito tempo ser o último ser humano existente, até receber a mensagem de Catherine, uma meteorologista francesa presa numa estação espacial próxima a Saturno. A partir dessa premissa apocalíptica, o diretor e roteirista Pavlo Ostrikov vai manejar com muita destreza um humor um tanto grosseiro que se aproveita da notada importância adquirida à revelia por um homem comum sem grandes aspirações heroicas, que até certo ponto da narrativa tem como maiores feitos se empanturrar com as reservas de comida sem pensar no amanhã ou conseguir uma cadeira nova para a sala de controle – objeto este responsável pelo sempre esperado tributo a “2001 – Uma Odisseia no Espaço” –, e uma certa melancolia pela constatação de que ele, de fato, pode representar uma inconsequência que nos resume enquanto espécie.

Contudo, “Você é o Universo” não se detém muito no amargor da mediocridade humana e acrescenta um elemento que renova nosso olhar sobre o protagonista, sem jamais idealizá-lo: o romance. Decidido a encontrar Catherine custe o que custar, Andriy ganha novos contornos e, mesmo sem apresentar uma profundidade psicológica tarkoviskiana, consegue nos fazer embarcar na sua jornada aparentemente suicida motivada pelo amor, sentimento que aos poucos vai fazendo com que o personagem central se mostre como uma figura um pouco mais complexa. Da sua relação emocional com os vinis (atenção ao uso da canção “Voyage voyage”) às habilidades que ele vai demonstrando possuir no decorrer do percurso, cada elemento acrescentado serve para que o espectador se torne gradativamente mais simpático ao encontro do pretenso casal.

Com uma produção correta e sem efeitos especiais impressionantes – porém, muito competentes –, “Você é o Universo” surge em hora bastante oportuna, quando o mundo precisa relembrar daquilo que ainda nos faz humanos: a capacidade de sentir. Se não possui o peso filosófico de um “Solaris” ou a técnica de um “Interstelar”, o longa de Ostrikov nos deixa, sobretudo se pensarmos em sua origem e no gesto final de seu último romântico, que a brutalidade pode dar lugar à poesia.

Alan Ferreira

Professor, apaixonado por narrativas e poemas, que se converteu ainda na pré-adolescência à cinefilia, quando percebeu que havia prendido a respiração ao ver um ônibus voando em “Velocidade Máxima”. Criou o @depoisdaquelefilme para dar vazão aos espantos de cada sessão e compartilhá-los com quem se interessar.

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