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“O Esquema Fenício”: entre repetições e minúcias, Wes Anderson ainda encontra espaço para o encanto | 2025

O cinema de Wes Anderson talvez seja o único lugar onde a geometria encontra ternura. Em seus mundos de papelão elegante e cenários pintados com rigor milimétrico, o absurdo se apresenta com a tranquilidade de uma rotina doméstica. “O Esquema Fenício” nasce dessa tentativa de controlar o imprevisível com esquadro e paleta. Não há pressa em resolver tramas, nem urgência dramática. Tudo parece coreografado com precisão por um narrador que, mais do que contar uma história, deseja organizá-la como quem alinha os livros por cor.

Após sobreviver a mais um acidente aéreo, o excêntrico magnata Zsa-Zsa Korda (Benicio Del Toro) retorna à sua mansão decidido a reconfigurar o futuro de seu império. Em um gesto revelador, nomeia como única herdeira sua filha (Mia Threapleton), uma noviça reclusa e de poucas palavras. Juntos, pai e filha mergulham na fundação de um novo e enigmático empreendimento, que logo atrai as investidas de espiões, terroristas de ocasião e assassinos de aluguel.

No cinema de Wes Anderson, a repetição não é vício, é método. Há quem confunda recorrência com estagnação, mas o que se vê, a cada novo filme, é um esforço de variação dentro de um conjunto de regras autoimpostas. Anderson não varia as tintas, mas modifica o traço com que desenha seus personagens, reorganiza a partitura cênica e encontra novas maneiras de tensionar a harmonia visual que criou para si. É possível traçar paralelos com Jacques Tati e sua coreografia espacial, ou com a obsessão com a simetria de Stanley Kubrick, mas a força de Anderson não está na citação, e sim na forma como transforma essas influências em linguagem própria. Seus filmes não tentam reproduzir o real, mas oferecer uma versão em miniatura onde a dor, ainda que preservada, parece mais suportável.

Desde “A Vida Marinha com Steve Zissou” (2004), as obras de Anderson passaram a funcionar como um clube de luxo frequentado pelos maiores nomes de Hollywood. E o mais curioso é que, numa época em que atores de prestígio costumam disputar protagonismo, o diretor atrai justamente aqueles dispostos a desaparecer dentro da moldura. Estrelas como Willem Dafoe, Bill Murray e Tom Hanks surgem quase disfarçadas, por vezes irreconhecíveis, como se o verdadeiro prestígio estivesse em ser apenas uma peça sutil dentro de um mecanismo maior. Em “O Esquema Fenício” há tantos nomes ilustres comprimidos em aparições breves que o prazer do espectador pode estar mais em reconhecê-los do que em acompanhá-los.

Mas nem todos os convidados parecem se encaixar com a mesma naturalidade. Benicio Del Toro, que ocupa o centro da narrativa, carrega um peso que contrasta com a leveza lúdica habitual nos projetos do diretor. Sua presença é grave, quase opaca, pertencente a outro registro dramático, menos estilizado, mais visceral. Não se trata de uma atuação falha, mas de uma incompatibilidade de textura. Enquanto tudo ao redor paira num tom de fábula meticulosamente construído, ele permanece ancorado num outro tipo de densidade, como um corpo estranho dentro de uma maquete.

Essa dissonância, no entanto, acaba por realçar quem encontra o tom exato. Michael Cera, por exemplo, parece ter sido desenhado à mão por Anderson. Sua estranheza doce e seu ritmo hesitante fazem dele um elemento naturalmente integrado ao mundo que o diretor constrói. Já Mia Threapleton, em papel mais contido, revela um controle impressionante, equilibrando inocência e firmeza.

Anderson filma com obsessão, nostalgia e um certo prazer em dobrar o mundo até que ele caiba numa caixinha. “O Esquema Fenício” é mais uma dessas caixas. Não traz reviravoltas formais, mas variações contidas dentro de um mesmo gesto. E talvez não haja mesmo urgência em mudar, quando se é capaz de repetir com tanta graça, e, ainda assim, encontrar algo novo entre as dobras.

Rafa Ferraz

Engenheiro de profissão e cinéfilo de nascimento. Apaixonado por literatura e filosofia, criei o perfil ‘Isso Não é Uma Critica’ para compartilhar esse sentimento maravilhoso que é pensar o cinema e tudo que ele proporciona.

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