“Uma Família Normal”: produção confirma que o cinema coreano já não teme parecer um dorama | 2025

O cinema coreano contemporâneo parece cada vez menos interessado em manter distância dos excessos emocionais que fizeram dos doramas um fenômeno global. Entre gritos, lágrimas e dilemas morais, o que antes se via com certo desdém agora é incorporado com naturalidade. “Uma Família Normal” é produto direto dessa simbiose. Um filme em que os conflitos familiares se precipitam sem filtro, sem respiro, sem margem para disfarce.
Na trama, acompanhamos Jae-wan (Sul Kyung-gu), um advogado de sucesso, e seu irmão mais novo, Jae-gyu (Jang Dong-gun), um médico guiado por princípios rígidos. As duas famílias, também formadas por Lee Yeon-kyung (Kim Hee-ae) e Ji-su (Claudia Kim), convivem tentando manter as aparências e preservar uma frágil convivência. No entanto, a descoberta de um crime violento envolvendo seus próprios filhos, Hye-yoon (Hong Ye-ji) e Yang Si-ho (Kim Jung-chul), implode esse equilíbrio. À medida que o conflito se intensifica, os laços fraternos se desgastam, revelando fraturas há muito reprimidas.
Abraçando uma construção típica dos dramas familiares, o filme revela a hipocrisia por trás da polidez e do conforto, evidenciando como essa fachada se desfaz diante de situações limite. O diretor Hur Jin-ho opta por uma escalada constante de tensão, em que cada novo abalo amplia o campo de desgaste emocional. Os acontecimentos são registrados com intensidade para reforçar o senso de urgência e a instabilidade emocional crescente.
Se há um risco assumido por “Uma Família Normal”, está na escolha de sustentar a narrativa sobre sucessivas crises, algumas bastante extremas, que sempre pesam a favor do efeito dramático. Mas essa opção, longe de comprometer o conjunto, confere ao filme uma força particular. Sua capacidade de manter o espectador em constante estado de vigília. Hur Jin-ho demonstra domínio ao transformar ambientes confinados, em especial um restaurante de alto padrão, em verdadeiras arenas de combate.
“Uma Família Normal” entrega, assim, um retrato contundente da fragilidade dos vínculos familiares diante da corrosão de valores em uma sociedade marcada por competição, ressentimento e aparência. Ao se apropriar de certas intensidades estéticas dos doramas, o filme amplia seu alcance e investe numa franqueza dramática que transforma a desordem afetiva em matéria. Sua força está menos em oferecer respostas realistas do que em manter abertas as feridas que expõe, e é nesse gesto que reside sua lucidez.