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FANTASPOA 2025: “Prédio Vazio”, de Rodrigo Aragão

Cineasta troca o campo pela cidade e encontra no vazio urbano um novo espaço para o horror

Há algo de curioso na forma como o cinema popular brasileiro evita o sobrenatural, como se o real, com todo o seu peso, já fosse suficiente. Ainda assim, cineastas como Gabriela Amaral Almeida, Juliana Rojas, Marco Dutra, Dennison Ramalho e Rodrigo Aragão têm encontrado no terror uma via para escancarar os conflitos do cotidiano, articulando atmosferas opressivas e símbolos carregados de inquietação. Embora esse tipo de produção resista nas margens, o gênero segue enfrentando barreiras de financiamento, limitações na distribuição e um preconceito histórico. É justamente nesse terreno instável que “Prédio Vazio” se insere. Mais recente longa de Rodrigo Aragão, “Prédio Vazio” combina uma imaginação rica voltada para o grotesco com uma crítica social afiada. À semelhança de seu ídolo José Mojica Marins, o diretor capixaba enxerga no horror uma forma de embate, uma lente turva e incômoda, capaz de esticar a realidade até que suas rachaduras venham à luz.

Ambientado em Guarapari, região litorânea do Espírito Santos, acompanhamos a jovem Luna (Lorena Corrêa) em sua busca desesperada pela mãe desaparecida (Rejane Arruda). A trilha do mistério a leva até um prédio antigo, à primeira vista abandonado, mas onde o vazio abriga entidades inquietas e memórias perturbadoras.

Aragão se afasta, pela primeira vez, das paisagens rurais e do imaginário folclórico que moldaram sua obra até aqui, deslocando sua trama para o espaço urbano. Ainda que o cenário se transforme, sua estética visceral permanece. A longa experiência com efeitos visuais se traduz em criações artesanais, dotadas de textura e fisicalidade, que intensificam o desconforto e ampliam a potência expressiva de sua mise-en-scène. O longa também se impõe pela força de seu trio feminino. Gilda Nomacce, Rejane Arruda e Lorena Corrêa protagonizam a dinâmica mais intensa já explorada pelo diretor. Mesmo em início de carreira, Lorena não se intimida diante das veteranas. A maternidade, longe de ser refúgio, aparece como território ambíguo. Atravessa a narrativa em registros distintos, ora como cuidado extremo, ora como controle sufocante. Caio Macedo, único homem em cena, assume um papel pouco comum no cinema de gênero, é ele quem vacila, chora, se dobra ao medo, enquanto Luna conduz a história com determinação.

A elaboração dos cenários é outro ponto alto da produção. Filmados com precisão, os espaços tornam-se moradas de presenças que raramente se mostram, mas impregnam cada parede, cada sombra. E tudo isso sem recorrer a sustos fáceis ou truques sonoros para provocar sobressaltos. Muito pelo contrário, “Prédio Vazio”, em seus breves oitenta minutos, prende o espectador não pelo impacto imediato, mas pela tensão constante.

Por fim, “Prédio Vazio” é um filme em que os ruídos são abafados, mas nada está em silêncio. Rodrigo Aragão constrói uma obra em que o horror se insinua por frestas, por gestos interrompidos que nunca se mostram por completo. É um cinema que assombra sem gritar, e por isso mesmo, permanece.

Rafa Ferraz

Engenheiro de profissão e cinéfilo de nascimento. Apaixonado por literatura e filosofia, criei o perfil ‘Isso Não é Uma Critica’ para compartilhar esse sentimento maravilhoso que é pensar o cinema e tudo que ele proporciona.

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