“A Batalha da Rua Maria Antônia”: longa de Vera Egito narra conflito entre estudantes na ditadura militar | 2025

Nos últimos dias, por conta da série “Adolescência” da Netflix, que ganhou público e mídia, muito se falou sobre a técnica usada no projeto: episódios inteiros filmados em plano-sequência, aquele método onde não há cortes. Pra que esse modo de filmar logre sucesso, são inúmeros ensaios e uma dose de empenho extra, tanto por parte do elenco quanto por parte da equipe técnica. Um erro sequer leva todos ao ponto de partida, o que gera atrasos e desgaste por todos os membros envolvidos no projeto. “A Batalha da Rua Maria Antônia”, da cineasta Vera Egito (“Amores Urbanos” – 2014), usa a mesma técnica da série Netflix, muito embora usada dentro de capítulos (ao todo 21) com menor tempo do que os produzidos nos episódios da série, ou mesmo por outras grandes produções que se aventuram no formato.
O filme de Vera Egito retrata um conflito ocorrido nos dias 2 e 3 de outubro de 1968 entre estudantes da Universidade de São Paulo (USP), que lutavam pela democracia, e estudantes do Mackenzie com pessoas ligadas ao Comando de Caça aos Comunistas (CCC), que eram a favor da ditadura. Durante o confronto, muitos estudantes se feriram, alguns foram levados e o estudante secundarista José Guimarães morreu com um tiro na cabeça.
Melhor Filme na Première Brasil do Festival do Rio (2023), Longa-Metragem de Ficção (Escolha do Júri) no Festival de Atlanta (2024) e Prêmio Especial do Júri no Panorama Coisas de Cinema, “A Batalha da Rua Maria Antônia”, projeta sua narrativa em ordem decrescente e dividida em capítulos, que, entre tantos embates, também introduz alguns dilemas individuais, que deixa explícito que ali nem todos jogam do mesmo lado, o que faz elevar a temperatura do projeto, e logicamente pelo formato adotado aqui, que é a cereja do bolo para incrementar a experiência do público.
Vera Egito, que inclusive é formada em cinema pela USP e também assina o roteiro aqui, apresenta uma direção super arrojada, com um requinte poucas vezes visto em uma produção do gênero no Brasil. Não bastasse a ousadia de uma empreitada em plano-sequência, a fotografia do talentosíssimo Will Etchebehere, em preto e branco com uma habilidade incrível em trabalhar luz e sombra, soma esforços para que a produção também encontre na estética uma aliada para amplificar ainda mais a potência da mensagem.
Ainda que outras muitas produções nos contem sobre a ditadura militar no Brasil, assim como o nosso oscarizado “Ainda Estou Aqui”, que explora a ótica de quem perde alguém para o Golpe, “A Batalha da Rua Maria Antônia” retrata um outro momento com um enfoque muito original desses tempos negros vividos a partir de 1964, ou seja, Vera Egito inova não só na forma mas também no recorte histórico, que inclusive é muito pouco conhecido por grande parte da público. Eu como espectador fico feliz que esse resgate de memória seja feito com tanta maestria, que além dos apuros técnicos, também tem seu ponto alto na dramaturgia com um afiado jovem elenco , incluindo Caio Horowicz, Julianna Gerais, Gabriela Carneiro da Cunha, Clara Buarque e Valentina Herszage. Impossível não se envolver, uma vez que entretenimento e consciência política estão dispostos de maneira tão orgânica e inteligente.