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“Encontro com o Ditador”: longa coloca espectador diante dos horrores causados por um dos mais terríveis regimes autoritários do século XX | 2024

Colônia francesa desde o século XIX, o Camboja só conheceu a independência política em 1953 e, claro, como na maioria desses processos de emancipação, a disputa pelo poder nos anos que se seguiram afetou drasticamente a vida de sua população. E, sem dúvida, um dos capítulos mais tristes foi o período em que o ditador Pol Pot instituiu seu regime autoritário, com bases no marxismo maoísta, responsável por um genocídio que empilhou cerca de um milhão e meio de mortos ao longo de sanguinários quatro anos a partir de 1975.

Tendo em vista esse conturbado contexto histórico, “Encontro com o Ditador” nos coloca na companhia de três jornalistas franceses que desembarcam no país do sudeste asiático já sob o jugo do Khmer Vermelho, e sua narrativa tenta emular a tensão que pairava num território dominado pelo medo. É curioso notar como o diretor Rithy Panh reproduz no início de seu longa uma sensação de falsa normalidade que vai desmoronando à medida que as restrições impostas pelos soldados e as reações pouco naturais dos habitantes do lugar vão tornando o clima quase insustentável. A impressão é de se estar entrando numa gigantesca prisão – não à toa a fotografia enquadra os estrangeiros por trás das grades que cercam o nada convidativo ambiente no qual se hospedam – onde uma pergunta errada pode significar uma severa punição.

O trabalho de Panh é cuidadoso em outros aspectos. Como os personagens interpretados por Irène Jacob, Grègore Colin e Cyril Gueï funcionam como guias que precisam engolir seu espanto enquanto vão desvelando os horrores que se escondem numa frágil fachada de civilidade, o espectador deve ficar atento ao que acontece no fundo do quadro – observe a substituição gradual de símbolos culturais – ou nos sons de trabalhos forçados e de tortura que vêm do extracampo. Além disso, chama a atenção a forma como a narrativa encena determinadas situações-chave através do uso de bonecos e maquetes, sem falar na maneira orgânica como são inseridas de imagens de arquivo no decorrer da trama, o que confere ao projeto um caráter de documento sobre os excessos de uma das mais violentas ditaduras (os tiranos adoram o eufemismo “revolução”) de que se tem notícia.

Baseado no relato real da jornalista americana Elizabeth Becker, “Encontro com o Ditador” serve como um oportuno alerta acerca do perigo ainda real do surgimento de outras figuras nefastas como Pol Pot, que se vendem como homens do povo preocupados com a soberania nacional, mas que, na verdade, não passam de fascistas sedentos por poder perpétuo. Afinal, para esse tipo de “gente”, que relê a História de acordo com seus interesses escusos, a frase de Danton (citado textualmente, inclusive) torna-se quase um mandamento: “Precisamos ser terríveis para que o povo não precise sê-lo.”.

Alan Ferreira

Professor, apaixonado por narrativas e poemas, que se converteu ainda na pré-adolescência à cinefilia, quando percebeu que havia prendido a respiração ao ver um ônibus voando em “Velocidade Máxima”. Criou o @depoisdaquelefilme para dar vazão aos espantos de cada sessão e compartilhá-los com quem se interessar.

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