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Festival do Rio: “Malês”, de Antônio Pitanga | 2024

O cinema com toda certeza é uma janela para que o Brasil se reconheça. Quantas vezes não fomos atrás de saber mais sobre recortes históricos por conta de produções que ganharam as telas? “Malês”, que teve sua primeira exibição em São Luiz, no Maranhão, chega ao Festival do Rio com sessões super concorridas. Na direção, Antônio Pitanga, que já não ocupava o posto há pelo menos três décadas. Em “Malês”, o veterano  também está na frente das câmeras, e dessa vez  juntamente com os filhos, Camila e Rocco Pitanga.

Conhecida como A Revolta dos Malês, o movimento foi a manifestação de escravizados que enfrentou o império em busca de liberdade religiosa e o fim da escravidão. Em 1835, a cidade de Salvador, na Bahia, viveu uma grande manifestação racial e religiosa. Isso aconteceu quando negros africanos de origem islâmica escravizados, planejaram uma revolta. Os objetivos eram, entre outros, acabar com a imposição do catolicismo, abolir o regime escravocrata e fundar uma república islâmica no nordeste do Brasil.

Com roteiro da festejada Manuela Dias, o longa que é baseado em fatos históricos, retrata o que foi chamado de Levante,  a maior revolução da história organizada por negros escravizados na Bahia, levantando pautas contra o racismo extremo e à intolerância religiosa. A insurreição de negros islâmicos mobilizou a população negra, escravizada e liberta pelas ruas de Salvador contra a escravidão. Após a revolta não alcançar o  resultado esperado, os manifestantes e responsáveis da organização foram duramente punidos e a represália contra os negros no Brasil ficou ainda mais ostensiva.

“Malês” tem ares de superprodução. O elenco, formado em sua maioria por atores negros, tem nomes como Bakassa Kabengele, Rodrigo de Odé, Samira Carvalho , Heraldo de Deus, Indira Nascimento e Patrícia Pillar. Ainda que com um elenco extenso, a direção sensível de Pitanga dá tempo de tela o suficiente para cada um deixar seu recado com precisão, destaco aqui Camila Pitanga, que vive Sabina, uma escrava de ganho cuja história  conta que foi  alguém que boicotou o Levante. Sua personagem na trama, é tal qual um diamante pequeno que brilha fortemente,  que reluz como o sol, e que apesar de poucos minutos de tela, deixa sua marca com uma performance poderosa e comovente.

O filme de Antônio Pitanga, produzido por Flávio Tambellini,  é mais um episódio da nossa história que muitos desconhecem. Em minhas pesquisas inclusive descobri que o Levante foi muito importante para a abolição da escravatura, uma vez que comprovou que  negras e negros estavam mobilizados para libertação desde muito antes da Lei Áurea e da organização do Movimento Abolicionista. “Malês” explora esse recorte histórico sem  pieguices ou didatismos chatos, potencializados por um clima tenso e sequências marcantes que hão deixar sua marca no cinema brasileiro. Tantos filmes americanos retratam esse momento nos E.U.A, e nós, que fomos os últimos a abolir a escravidão, não temos o hábito de produzir esses registros importantes da nossa história, que deixou uma ferida que até hoje reverbera no país.  Torna-se cada vez mais imprescindível lançar luz sobre a resistência do povo negro no Brasil, e “Malês” é um belo exemplo dentro do gênero.

Rogério Machado

Designer e cinéfilo de plantão. Amante da arte e da expressão. Defensor das boas causas e do amor acima de tudo. Penso e vivo cinema 24 horas por dia. Fundador do Papo de Cinemateca e viciado em amendoim.

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