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“Banel & Adama”: Um poético choque entre as ilusões do amor romântico e a dura realidade das comunidades rurais | 2024

“Essa história é real?”

Há bem pouco tempo (dois meses para ser exato) eram publicadas aqui no site minhas entusiasmadas impressões sobre o premiado “Mami Wata”, belo longa nigeriano que, à época, aportava nos cinemas brasileiros. E na esteira de sua beleza e demonstrando que (talvez) as diversas potências dos cinemas africanos parecem ter sido descobertas por algumas distribuidoras deste lado do Atlântico, eis que agora temos a chegada de “Banel & Adama” em algumas de nossas salas de exibição.

Coprodução entre França, Senegal e Mali, o projeto dirigido por Ramata-Toulaye Sy conta a história do casal título e se desenrola a partir da decisão de ambos em contrariar as tradições da remota aldeia onde vivem para que finalmente realizem o sonho de morar juntos. O maior entrave se deve ao fato de Adama pertencer a uma linhagem de líderes e ter aberto mão do posto para ficar com a mulher amada. As opiniões contrárias se espalham por todo o povoado, principalmente com a chegada de uma severa estiagem, a qual os habitantes do lugar logo sentenciam como um mau presságio que seria consequência da união dos dois.

A narrativa proposta por Sy se desenvolve colocando em choque uma visão coletiva/conservadora defendida pelos membros mais velhos da aldeia, pautada por um pensamento com base no patriarcado e na religião, e um desejo de emancipação individual. Além disso, o longa procura abordar como aquele amor, que segue em certa medida o ideal romântico, vai sendo minado à medida que a dura realidade se impõe. Um ótimo exemplo disso é a metáfora da casa enterrada, que representa o quão dificultoso pode ser a conquista de elementos básicos para quem ousa seguir na contramão daquilo que é imposto. A habilidade da diretora também se mostra na maneira como uma espécie de clima premonitório, que remete às histórias passadas de geração em geração pela tradição oral, vai ganhando espaço e tornando o ambiente – natural e humano – cada vez mais hostil aos personagens centrais, sobretudo à Banel.

Aliás, é preciso dedicar algumas linhas a essa jovem lindamente interpretada por Khady Mane. Apesar de o roteiro trabalhar muito bem as dúvidas que justificam as atitudes de Adama, a trama se fortalece de verdade quando Banel ascende e se impõe como uma personagem repleta de reentrâncias psicológicas. Da desconfiança envolvendo a morte do ex-marido à impossibilidade de engravidar, tudo em sua construção reforça a ideia de que ela representa as inúmeras mulheres que sobrevivem num modelo de organização social em comunidades rurais que ainda atrelam ao feminino a culpa de todos os males.

Selecionado para o Festival de Cannes em 2023 e indicado do Senegal ao Oscar 2024, “Banel & Adama” é mais uma bem-vinda obra cinematográfica – em que vale exaltar a fabulosa fotografia de Amine Berrada – de um continente vasto de histórias e de incontáveis possibilidades expressivas, mas que ainda sofre com o preconceito característico de grande parte do público nessa terra de mentes ainda colonizadas.

Alan Ferreira

Professor, apaixonado por narrativas e poemas, que se converteu ainda na pré-adolescência à cinefilia, quando percebeu que havia prendido a respiração ao ver um ônibus voando em “Velocidade Máxima”. Criou o @depoisdaquelefilme para dar vazão aos espantos de cada sessão e compartilhá-los com quem se interessar.

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