“Assexybilidade”: Novo doc de Daniel Gonçalves desmistifica a sexualidade de deficientes físicos | 2024
O que você vai fazer num ginecologista?
Todos nós, em algum momento das nossas vidas, já fomos capacitistas, mesmo que involuntariamente. Num mundo tão diverso, é impossível pensar que pessoas deficientes sejam incapazes de ações que nós, seres com todos os membros no lugar e sem qualquer déficit cognitivo, alcançamos sem maiores problemas. “Assexybilidade”, que passou pelo OutFest Los Angeles e teve a primeira exibição brasileira no Festival do Rio no ano passado, onde ganhou o Prêmio de Melhor Direção de Documentário e uma menção honrosa do Prêmio Félix, chega agora aos cinemas nos ensinando que não há limites para nada, inclusive para o sexo entre pessoas com os mais variados tipos de deficiência.
O documentário sob a direção de Daniel Gonçalves (“Meu Nome é Daniel”, 2018) é um apanhado de depoimentos sobre a sexualidade de pessoas com deficiência e das mais diversas matizes. O filme abre o verbo sobre flerte, beijo na boca, namoro, masturbação, capacitismo e, é claro, sexo. A maior força do documentário é precisamente ouvir das pessoas com deficiência coisas que a sociedade não espera que elas digam e façam. A ideia do projeto é na verdade mudar o conceito de que deficientes são seres assexuados, angelicais, especiais e, até mesmo, desprovidos de desejos.
Daniel Gonçalves, também deficiente e com um diagnóstico que ainda é um mistério pra ele, se desnuda (literalmente) e coloca sua alma nesse projeto, que mais uma vez reafirma suas bases em um cinema autobiográfico. Contudo, muito diferente do que poderíamos pensar acerca do tema, “Assexybilidade” tem humor, é divertido, sobretudo porque Daniel trouxe personagens dos mais diversos, como artistas, travestis, performers e até uma dominatrix cadeirante. Entre tantos personagens deliciosos e interessantíssimos, conhecemos Cacá Fernandez, cadeirante e gay, que também tem os movimentos das mãos comprometidos, e que leva com muito bom humor, por exemplo, a dificuldade de abrir um simples pacote de camisinha e narra como foi sua primeira experiência sexual, que aconteceu de uma forma bem inusitada. Aliás, o que mais ouvimos no documentário são histórias curiosas e surpreendentes.
Não raras vezes pensamos em pessoas com qualquer tipo de deficiência, como seres limitados, onde não habita nenhuma vontade ou desejo, em “Assexybilidade” Daniel Gonçalves desmistifica essa lenda e não poupa imagens e palavras para isso, e o faz com uma delicadeza sem tamanho. É certo que esse olhar tão próximo e clínico vem de sua própria condição, onde só traduziu tudo o que um dia já ouviu e viveu ao longo de seus quarenta anos de idade. Assim como todos os quinze personagens escolhidos para esse projeto, Daniel também deve ter ouvido que ele não seria capaz até mesmo de cumprir sua missão como realizador. Mesmo a atividade mais simples, como se despir por exemplo, pode representar um enorme desafio, e esses recortes são ilustrados com o respeito e a empatia que só um igual poderia fazer. Por mais projetos assim, que fazem os que olham de fora enxergar de maneira diferente, e ao mesmo tempo passar a ser um agente transformador em uma sociedade que tem o preconceito intrínseco em seu dia a dia.