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“Hellboy e o Homem Torto”: Reboot explora essência dos quadrinhos com atmosfera sombria e foco no mistério | 2024

Lançado em 1994 pela editora Dark Horse Comics, Hellboy é um personagem criado por Mike Mignola, cuja premissa envolve um demônio invocado pelos nazistas durante a Segunda Guerra Mundial, mas resgatado pelos Aliados e criado como um herói que combate forças sobrenaturais. Em 2004, a história foi adaptada para o cinema por Guillermo del Toro, com uma sequência em 2008. Ainda que a visão de del Toro tenha gerado um excelente filme, o tom heroico destoava do caráter mais intimista, investigativo e sombrio dos quadrinhos. Isso, contudo, não desmerece a adaptação, que refletia uma época em que havia espaço para esse tipo de personagem, algo que se desgastou com o tempo. Atualmente, a clássica jornada de origem e a luta para salvar o mundo já não encontram lugar no cinema saturado pelas fórmulas estabelecidas por Marvel e DC.

Dirigido por Brian Taylor, “Hellboy e o Homem Torto” é uma nova tentativa de reviver o personagem, desta vez mais fiel ao material original. A produção explora a essência dos quadrinhos, com uma abordagem mais densa e focada no mistério, além de incorporar símbolos de terror e uma atmosfera sombria.

Na trama, acompanhamos Hellboy (Jack Kesy) e a agente Bobbie Jo Song (Adeline Rudolph) em uma investigação nas isoladas Montanhas Apalaches, onde eles se deparam com uma comunidade remota, assombrada por bruxas. No coração desse enigma está o sinistro demônio conhecido como O Homem Torto, cuja influência maligna domina o local. À medida que o mistério se desdobra, Hellboy e Bobbie são arrastados para um confronto com forças sobrenaturais, numa luta de vida ou morte.

A concepção do projeto oferece uma leitura bastante precisa do cenário atual da indústria de heróis. Além da já mencionada saturação imposta pelo crescente número de filmes desse subgênero ao longo dos últimos 20 anos, essa nova produção segue um caminho que, mesmo não exatamente autoral, se destaca por ser diferente dentro do universo dos quadrinhos no cinema. Um dos principais diferenciais é a ausência de uma história de origem: o longa não se prende ao passado, redenção ou traumas, tampouco investe em uma exploração mais aprofundada da persona de Hellboy. Até mesmo a premissa da Segunda Guerra Mundial é deixada de lado, permitindo que a trama avance sem recorrer a essas amarras narrativas tradicionais. Brian Taylor opta, portanto, em ir direto ao ponto. Outro aspecto interessante é que, apesar de manter as frases de efeito e o visual amedrontador, Hellboy agora surge menos imponente e surpreendentemente falho, o que abre mais espaço para o desenvolvimento dos personagens secundários. Essa abordagem, contudo, não compromete o impacto visual que a criatura exerce, preservando seu apelo icônico enquanto explora novas camadas de vulnerabilidade.

Embora a investigação seja colocada em primeiro plano, a sua resolução acaba sendo um tanto confusa, especialmente do ponto de vista visual. O filme constrói uma atmosfera sombria e, de maneira deliberada, evoca uma sensação de desorientação. No entanto, por se tratar de um mistério, o desafio reside em equilibrar a montagem desse quebra-cabeça com a visão turva que a narrativa propõe – algo em que o projeto não se sai nada bem, tentando corrigir esse problema com diálogos excessivamente expositivos e pouco inspirados.

Outro problema é a ambientação. Por mais que a trama se passe em 1959, os cenários mais parecem as locações de “As Bruxas de Salém”, criando uma sensação de deslocamento temporal que é ao mesmo tempo intrigante, mas incoerente.

A mitologia do Homem Torto remonta ao século XIX e está curiosamente presente em uma rima infantil, algo similar ao nosso “Boi da Cara Preta”. Originalmente, essa figura não tinha conotações de horror, mas, ao longo dos anos, a repetição de imagens distorcidas e o conceito de uma realidade “torta” levaram a interpretações mais sombrias. O filme segue essa linha de exploração do folclore clássico, retratando tanto o vilão quanto as bruxas que o cercam de maneira tradicional. As bruxas são apresentadas de forma arquetípica: ou são anciãs de aparência aterradora, com sorrisos desdentados e rostos profundamente enrugados, ou são mulheres jovens e belas, com olhares demoníacos e comportamentos libidinosos. Essa escolha criativa pode gerar controvérsia, mas utiliza símbolos legítimos que, como qualquer simbologia, não possuem um prazo de validade determinado. O importante é que sejam contextualizados de maneira adequada, e essa nova versão adota uma abordagem direta e objetiva, que respeita essa linguagem simbólica.

Assim, entre altos e baixos, o demônio vermelho mais carismático da cultura pop retorna a um papel mais modesto, desta vez com a missão de salvar não o mundo, mas uma pequena aldeia interiorana. É uma proposta arriscada, que levanta questionamentos sobre a qualidade de sua execução, mas consegue trabalhar bem uma ideia que, de fato, pode dar início a uma nova franquia – menos grandiosa, porém mais alinhada aos fãs raiz do anti-herói. Se isso será suficiente para garantir o sucesso comercial, só o tempo dirá, mas certamente marca um início promissor.

 

Rafa Ferraz

Engenheiro de profissão e cinéfilo de nascimento. Apaixonado por literatura e filosofia, criei o perfil ‘Isso Não é Uma Critica’ para compartilhar esse sentimento maravilhoso que é pensar o cinema e tudo que ele proporciona.

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