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“O Sequestro do Papa”: Filme escancara intolerância religiosa com as conversões de judeus ao catolicismo operadas no Século XIX | 2024

Edgardo Levi Mortara nasceu em 1851 em Bologna. Filho de pais judeus, após alguns meses de seu nascimento, sua família teria contratado a católica Anna Morisi para cuidar dele. A história salta para 1857, quando o padre inquisidor de Bologna, Frei Feletti, escuta boatos de que a babá do menino Mortara teria batizado por conta própria a criança judia. Em face do batismo, o Frei Feletti ordena que se capture o menino do seu seio familiar judaico para ir morar no Vaticano na Casa dei Neofiti, uma instituição romana focada na conversão de judeus e mulçumanos ao Catolicismo.

A família Mortara fica desolada e começa a travar uma batalha para trazer Edgardo de volta a Bologna. O sequestro do menino causou revolta na comunidade italiana e apesar dos protestos, o Papa Pio IX se recusou a ceder e entregar o menino aos Mortaras. É a partir deste fato histórico lamentável que o diretor e co-roteirista  Marco Bellocchio, decide escancarar os abusos da Igreja Católica no Século XIX no seu mais novo Longa-Metragem, “O Sequestro do Papa” (2023). O filme foi indicado à Palma de Ouro no Festival de Cannes de 2023 e agora chega aos cinemas brasileiros pela 8ª Festa do Cinema Italiano.

Há rumores do passado de que Steven Spielberg teria ventilado a possibilidade de produzir e dirigir essa história e teria chegado até a montar o casting com Mark Rylance no papel do Papa e Oscar Isaac como o pai da família Mortara. O plano teria afundado dada a impossibilidade de Spielberg achar a criança certa para o papel de Edgardo Mortara. Nesta produção italiana, Bellocchio acerta em cheio ao escalar o ator-mirim Enea Sala para o papel central da trama, sua atuação é contida e na maior parte do tempo traduz a sua angústia pelo seu olhar expressivo. Do outro lado, como antagonista desta história, está o Papa Pio IX, interpretado pelo ator Paolo Pierobon, que exercita toda a sua veia de afetações como um homem corrompido pelo seu poder e pedante.

Fora as boas atuações de ambos os personagens principais, o filme apresenta uma bela reconstituição de Roma e de Bologna, investindo em cenários e efeitos visuais que reproduzem as cidades no Século XIX. O filme atravessa um período de 16 anos e a produção consegue de forma consistente refletir a passagem temporal na maquiagem de Pierobon e na escalação do  ator Leonardo Maltese, fisicamente semelhante ao protagonista mirim.

O roteiro não ameniza a representação vil, irredutível e brutal da Igreja Católica da época, funcionando como uma entidade que fazia imposições normativas e coercitivas muitas vezes infundadas, como o caso em questão de sequestrar uma criança  judia apenas a partir de boatos de que ela teria sido batizada sem prova ou fundamento algum. A angústia da família judaica tentando reparar o dano irreversível na vida do menino Mortara, obrigado a se render a rituais e crenças religiosas que se chocavam diretamente com o contexto do qual ele vinha, é de cortar o coração. Não é um filme fácil e seu tema é indigesto, especialmente por envolver crianças como o alvo principal desta catequização coercitiva operada em milhares de judeus e mulçumanos ao longo de décadas. Apesar disso, serve de alerta e reflexão para que condutas como estas de imposição de uma religião, crença ou costume não sejam replicadas no futuro das sociedades que buscam evoluir.

Marcello Azolino

Advogado brasiliense, cinéfilo e Profissional da indústria farmacêutica que habita São Paulo há 8 anos. Criou em 2021 a página @pilulasdecinema para dar voz ao crítico de cinema e escritor adormecido nele. Seus outros hobbies incluem viagens pelo mundo, escrever roteiros e curtir bandas dos anos 80 como Tears For fears, Duran Duran e Simply Red.

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