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“Biônicos”: Afonso Poyart faz filme tipicamente americano…e a pergunta é: isso é bom? | 2024

Selfie entrega idade

Nosso editor chefe, Rogério Machado, vira e mexe pontua ao grupo alguns comentários sobre a “síndrome de vira-lata” que permeia a maioria dos brasileiros quando o assunto é cinema nacional. Esse complexo de inferioridade é um mal que só sobrevive por causa da ignorância, pelo desconhecimento da qualidade dos nossos filmes e por um preconceito insistente de que a gente só sabe fazer comédia galhofa. Ocorre que é um hábito brasileiro pagar pau para produções hollywoodianas, como se o nosso cinema fosse um filho bastardo achado no lixo – e o grande público vê a maioria dos filmes feitos aqui como algo limitado e pouco inspirado.

Um dos comentários que mais se ouvia às vésperas do lançamento de “Tropa de Elite” (2007) era que o filme parecia americano, de tão bom que era. “Biônicos” pode ser facilmente alvo de comentários como esse, e não é para menos; o filme tem todos os itens da cartilha do cinema estadunidense. Está tudo aqui: a trilha sonora bem elaborada e precisamente pontual, os efeitos digitais de altíssima qualidade, uma clássica trama de rivalidade familiar, e um exibicionismo aqui e acolá da própria bandeira para destacar um sentimento de patriotismo e orgulho desportivo. Isso tem um lado muito bom, que mostra nosso potencial criativo para realizar trabalhos visuais mais complexos e incorporar efeitos práticos aos digitais. Não me recordo, em uma rápida busca na memória, de nenhum outro filme brasileiro com efeitos visuais tão bem feitos como os vistos aqui. Nível altíssimo de excelência.

Entretanto, essa façanha também tem um lado ruim, que é o risco da perda da identidade e do enviesamento à mediocridade. Mas antes de continuarmos, vamos questionar: o que é o cinema brasileiro? Alguns diretores, assim como José Padilha (“Tropa de Elite”) e Heitor D’halia (“Serra Pelada”, “12 Horas”), se aventuraram no cinema hollywoodiano após o sucesso no Brasil e trouxeram na bagagem experiências interessantes para agregar às suas produções brasileiras. É o caso também de Afonso Poyart, que vislumbrou a dinâmica de Hollywood de perto em “Presságios de um Crime” (2015) após lançar seu excelente “2 Coelhos” em 2012. Agora, retomando a abordagem recheada de bons efeitos e jogos de câmera estilizados, ele lança no streaming seu projeto mais ambicioso: “Biônicos”. Só que não é só de efeitos que vive um filme, e com isso voltamos ao lado ruim.

É muito mais fácil identificar esse filme como americano do que como brasileiro – e não falo isso só pelo trabalho estético, mas principalmente por questões como estrutura, abordagem e problemática que são apresentados quase como uma releitura de “Gigantes de Aço”, de 2011 (pela premissa esportiva onde o bom espírito enfrenta a tecnologia insuperável), “Blade Runner”, de 1982/2017 (com suas interações digitais e rostos gigantes estampando a lateral de grandes edificações), e “Eu, Robô”, de 2004 (que também se passa em um hipotético 2035 e traz um protagonista que se torna híbrido após um acidente automobilístico). Falta brasilidade ao filme, coisas que vão além de mostrar a nossa bandeira e dar uns passos de samba; falta ter a nossa cara.

Se for julgar o projeto em comparação com a concorrência local, ele é um primor. Se a comparação for com Hollywood, ele é só mais um dentre tantos parecidos com ele. Apesar disso, não serei cínico; eu adorei o filme. Ele é um passo mais largo que é dado para que possamos correr em categorias técnicas com mais eficiência e qualidade. E que passo! O investimento da Netflix se fez valer, e fico feliz que criadores de conteúdo brasileiros estejam se encontrando nesse nicho do mercado. A galera da “síndrome de vira-lata” não vai poder reclamar. Agora é só aprender a valorizar mais o que é produto nosso.

Vinícius Martins

Cinéfilo, colecionador, leitor, escritor, futuro diretor de cinema, chocólatra, fã de literatura inglesa, viciado em trilhas sonoras e defensor assíduo de que foi Han Solo quem atirou primeiro.

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