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“Clube Zero”: Longa é uma sátira que utiliza a estranheza para nutrir sua crítica | 2024

Era perfeitamente natural imaginar que os efeitos do recente sucesso de cineastas afeitos à estranheza como Rubem Östlund e Yorgos Lanthimos não tardariam. Nomes que brilharam em diversas premiações nos últimos anos, já é possível afirmar que a influência estética e temática de suas obras se fazem sentir, sobretudo em títulos que comungam de uma mesma visão satírica em relação às instituições ainda valorizadas pela elite mundial, como é o caso de “Clube Zero”, filme indicado à Palma de Ouro em Cannes no ano passado e que chega aos cinemas brasileiros nesta quinta-feira.

Assim como Östlund e Lanthimos, a diretora austríaca Jessica Hausner vai se valer da heterotopia para construir sua crítica. O termo cunhado pelo filósofo Michel Foucault na década de 1960 para definir os espaços em que vivemos como locais que, segundo suas palavras, nos lançam “para fora de nós mesmos” hoje é apropriado por narrativas que propõe uma reorganização das regras sociais (sem jamais rechaçá-las por completo) na busca por uma reflexão sobre as transformações ou perpetuações na conduta humana nestes locais “à parte”, mas nem tanto. Lar, casamento e família estão, por exemplo, no cerne da discussão de obras do realizador grego como “Dente Canino” e “O Lagosta”, em que a casa e o hotel configuram, respectivamente, universos alheios ao “nosso mundo”, mesmo que ainda embasado por normas e papéis que nos são reconhecíveis. O mesmo pode ser dito sobre o iate e, mais tarde, a ilha que servem de cenários para os embates em “Triângulo da Tristeza” do sueco Östlund, em que a suposta civilidade da elite é colocada em xeque quando ocorre uma reestruturação dos interesses e das posições de comando entre ricaços e tripulantes.

Em “Clube Zero”, a escola será esse lugar até certo ponto familiar a todos, mas que, a partir da relação entre a nova professora de nutrição e um pequeno grupo de alunos, servirá de palco para a estranheza. Com uma fala sempre assertiva e em tom moderado, Miss Novak tenta introduzir suas teorias para um séquito até certo ponto heterogêneo, levando-se em conta o perfil da instituição. Através de um discurso com aspectos de mantra fajuto, que ignora (inclusive verbalmente) o discurso científico, a personagem interpretada por Mia Wasikowska convence a todos – apesar da resistência inicial de alguns –, e forma algo bem próximo de uma seita, que visa à gradual diminuição da quantidade de comida ingerida por seus integrantes até que eles cheguem ao número referido no título.

São muitas as críticas levantadas em tom irônico pelo filme. O roteiro da própria diretora em parceria com Géraldine Bajar traz alertas para os perigos dos distúrbios alimentares, para a fácil alienação (tanto de jovens quanto de adultos) provocada por falas prontas ou receitas milagrosas, além de abordar questões relevantes como  a terceirização da educação e até zombar de uma espécie de autoindulgência misturada com uma frágil consciência acerca do consumismo, que colocaria, em tese, as pessoas ricas quase como vítimas/combatentes de um sistema predatório com o qual elas jamais rompem de fato. No entanto, tal qual o discurso repetido por Miss Novak, “Clube Zero”, soa monocórdio, sem tocar mais fundo nas feridas que abre, contentando-se apenas em emular um apanhado de trejeitos visuais como figurinos bem característicos (alguns beirando o exótico), uma infinidade de zooms ou planos de conjunto claramente criados para dar ao longa uma atmosfera bizarra que, na prática, não se sustenta.

Na sua busca por pertencer a essa nova onda de filmes que se vendem como “diferentes” ou “originais” e que fazem sucesso em festivais por gerarem riso crítico e incômodo na mesma medida, “Clube Zero” vai pouco além da exposição de um ridículo burguês já bastante explorado, com apenas uma cena a qual se possa realmente chamar de indigesta. Porém, é até possível dizer que a sensação de asco resultante dela seja bem mais fruto do ato em si do que propriamente de qualquer mérito em sua concepção. Pouco nutritivo como cinema, o novo longa de Jessica Hausner surte tanto efeito quanto os pacotes de chá distribuídos por sua protagonista.

Alan Ferreira

Professor, apaixonado por narrativas e poemas, que se converteu ainda na pré-adolescência à cinefilia, quando percebeu que havia prendido a respiração ao ver um ônibus voando em “Velocidade Máxima”. Criou o @depoisdaquelefilme para dar vazão aos espantos de cada sessão e compartilhá-los com quem se interessar.

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